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sábado, 23 de agosto de 2014

O QUE É UM VERDADEIRO EXPERT

Por Nicéas Romeo Zanchett 
Pintura SAMBISTAS de Romeo Zanchett 
Pastel sobre Papel Canson 
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                   Hoje se usa com muita prodigalidade o vocábulo expert. Não há um marchand-de-Tableux ou crítico de arte recém improvisado que não o seja. Mas o que é, afinal, um expert? 
                    Meu saudoso amigo Jorge Beltrão, com quem aprendi muita coisa sobre a verdadeira obra de arte, uma vez me disse: "Um homem que em toda a sua vida viu apenas um Di Cavalcanti não pode saber se é bom ou mau. Se viu dois, um terá sido melhor que o outro. Quando tiver visto
e estudado uma centena de obras do mesmo artista, sua opinião terá alguma probabilidade de ser realmente válida. E quando tiver visto mil, estará em vias de se tornar um expert, evidentemente, sobre aquele artista.  Para quem não teve o prazer de conhecer, Jorge Beltrão foi um dos mais conceituados marchands do Brasil. Teve galeria de arte e loja de móveis coloniais na rua São Clemente, 74 , em Botafogo - Rio de Janeiro. Trabalhei com ele de 1973 a 1979). 
                    Um expert é, pois, alguém que pelo estudo profundo e paciente, adquiriu conhecimento particular acerca de um determinado artista ou escola, e pode portanto, com autoridade, emitir opiniões sobre a autenticidade de uma determinada obra pertencente àquele artista, àquele período ou àquela escola.  A ação do expert restringe-se, forçosamente, ao campo do conhecimento de sua especialidade: Uma opinião de Bernard Berenson sobre uma pintura italiana do Renascimento terá logicamente muito maior força que outra opinião do mesmo expert acerca de, por exemplo, um quadro holandês da mesma época. 
                   Evidentemente, mesmo o melhor expert pode equivocar-se (e frequentemente o fazem), ou discordarem entre si. No primeiro caso é prova e logro de que foi vítima o célebre expert holandês  Abraham Bredius atestando a autenticidade de um Vermeer de Delf pintado por Vam Meegeren, autor da obra tão perfeita que o próprio falsário teve de provar em juízo, depois da Segunda Guerra Mundial, que sua pintura era falsa;  no caso, existem opiniões controvertidas de toda uma legião de famosos críticos e historiadores de arte acerca do quadro "Sagrada família", pertencente à Coleção Kress da National Gallery de Washington. 
Veja como divergem as opiniões dos experts:  
 a) Berenson - "autoria entre Catena e o jovem Ticiano" ( e mais tarde, em sua obra Italian Pictures of the Renaissance, algo inopinadamente: "Giorgione"); 
 b) L. Venturi - "É um Catena"; 
 c) Borenius - "Mestre da Natividade Allendale"; 
 d) Longhi  - " É um Gorgione"; 
 e) G.M. Richter - "É um Giorgione, mas a paisagem é de Sebastiano Del Piombo"; 
 f)  H. Tietza - É de um aluno desconhecido de Giovanni Bellini"; 
 g) Venturi - É de um intérprete de Giorgione, mas não do próprio Giorgione". 
  Todos, acima mencionados experts são unânimes em considerar a obra em apreço como pintura de alta qualidade, mas em termos já não de crítica de arte e sim de mercado de arte, porque existe uma enorme diferença de preço entre um autêntico Giorgione e o de um autêntico Catena.
                 Estima-se que atualmente metade das obras de arte negociadas no mundo são falsas. Numerosos Van Gogh, 70% dos Chagal e 90 % dos Salvador Dali. Também  Picasso, Rembrandt, Renoir, Klint, Mache são os preferidos dos falsários de nossos dias. 
                 O falsário pintor alemão Edgar Mrugalla  calcula que já copiou cerca de 3.500 quadros de artistas famosos ao longo da vida. Esta enorme produção de obras falsas cria grandes dificuldades para os experts. 
                  No caso brasileiro o problema das expertises não é tão complexo, nem tão controvertido, pois são artistas recentes e muitos ainda estão vivos. Mesmo para os mortos há ainda, entre os marchands, críticos e amadores de arte, uma lembrança muito nítida das obras mais importantes como, por exemplo, dos criadores do modernismo brasileiro. Apesar disso, nota-se, cada vez mais pronunciado, o aparecimento de obras de importantes artistas no mercado de falsários e possíveis falsos.
                  Os princípios que regem a expertise são os seguintes: 
                  1 - O expert não deve manifestar-se sobre a qualidade da obra e sim limitar-se ao problema de sua autenticidade; 
                  2 - Quem vende uma obra de arte não pode ser ao mesmo tempo o autor de sua expertise;  
                  3 - O expert pode ser responsabilizado juridicamente, sempre que ficar patente a má fé de qualquer expertise, mas não será culpado quando, de plena consciência, tiver expedido uma opinião que depois foi contestada; 
                  4 - O valor de uma expertise acha-se na razão direta do conceito de que goza quem a assina; 
                   5 - Nenhum expert, digno de nome, jamais fará considerações de ordem financeira ou se referirá aos preços do mercado. Limitar-se-á apenas à autenticidade da obra.
Nicéas Romeo Zanchett 
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sábado, 9 de agosto de 2014

A ARTE DA COMPOSIÇÃO LITERÁRIA - LONGINO


A ARTE DA COMPOSIÇÃO LITERÁRIA 
                 Mas visto que os sentimentos e a linguagem das composições literárias melhor se explicam pela luz que umas sobre as outras lançam, consideremos agora o que resta dizer com respeito à "Dicção". E neste ponto não se pode, creio, negar que uma escolha judiciosa de termos aptos e magníficos é sobremaneira própria para obter e manter a atenção de uma assembléia. 
                 Porque é disto que os grandes autores tiram com escrupuloso cuidado a grandeza, a beleza, a solenidade, o peso, a energia e a força das suas expressões. Isto veste uma composição literária do mais belo traje, fá-la brilhar como um quadro em toda a alegria da cor, e, numa palavra, anima os nossos pensamentos e dá-lhes uma vida como que vocal. Mas é desnecessário demorarmo-nos neste ponto diante  de pessoa de tanto gosto e experiência. As palavras belas são na verdade a luz especial com que devem brilhar os nossos pensamentos. Mas de modo algum é próprio que em toda a parte sejam túmidos e pareçam grandes. Porque vestir um assunto trivial de expressões grandiosas e grandiloquentes faz o mesmo efeito ridículo que faria a enorme mascara dum ator trágico no rosto pequeno de uma criança. 
                  .... (O princípio desta seção perdeu-se, lamentavelmente)... Neste verso de Anacreonte, os termos são banais, mas há nele uma simplicidade que agrada, porque é natural:  
Nem este Trácio me ralará!
                  E por esta razão me parece aquela celebre expressão de Teopompo, uma das mais significativas que tenho visto conquanto Cecílio nela encontre que censurar: "Felipe, diz ele, costumava engolir injúrias quando as exigências da sua política o tornavam conveniente."
                  Os termos banais são às vezes muito mais expressivos do que poderiam ser os mais escolhidos. Facilmente se compreendem porque tirados da nossa vida quotidiana; e o que nos é mais familiar, mais depressa obtém o nosso assentimento. Portanto, quando um indivíduo, para conseguir os seus fins ambiciosos, suporta injúrias e responde não só pacientemente, mas em aparência mesmo agradavelmente, dizer que ele  engole injúrias é uma das frases mais aptas e expressivas que se podem inventar. O seguinte trecho de Heródoto aproxima-se muito, a meu ver, do efeito do outro: " Cleomenes, sendo tomado de loucura, cortou com uma faca a sua carne em pedaços, até que,tendo retalhado o corpo completamente, morreu."  E, noutro ponto, Pites, tendo ficado no navio, lutou corajosamente, "até que o fizeram em pedaços." Estas expressões são quase banais, mas a sua significação está longe de o ser. 
                 Quanto ao número de metáforas que se deve usar, Cecílio é da opinião daqueles que acham que se não devem usar mais de duas ou tês na expressão do mesmo assunto. Mas nisto também seja Demosthenes o nosso guia; lendo-o, veremos que a ocasião de as empregar é quando as paixões estão tão desencadeadas que avançam como torrente, arrastando toda uma multidão de metáforas. 
                 "Essas almas prostituídas, esses traidores agachados, essas fúrias da República, que se combinaram para ferir e retalhar a sua pátria, que sorveram a sua liberdade em saúdes, primeiro a Felipe e depois a Alexandre, medindo a sua felicidade pela sua gula e pela sua luxúria. Quanto àqueles grandes princípios de honra e àquela máxima de nuca suportar um senhos, que eram para os nossos valorosos maiores a alta ambição da vida e a norma da felicidade - a esses subverteram eles completamente." 
                  Aqui por meio desta abundância de tropos, desencadeia o orador sobre os traidores o fervor da sua indignação. É porém preceito de Aristóteles e de Theofrasto que que as metáforas arrojadas devem ser de ligeiras atenuantes, tais como, se assim posso dizer, e por assim dizer, e se me posso exprimir com esta audácia.  Porque esta desculpa preliminar atenua muito, dizem eles, a violência dos tropos. 
                  Esta regra será boa para uso geral, e por isso a admito; mas continuo a sustentar o que antes disse com respeito a figuras de retórica; que metáforas arrojadas, e essas também em abundância, não são deslocadas numa composição literária nobre, onde constantemente as mitiga e atenua a veemência patética e sublimidade generosa dispersas pela composição  total. Porque, como é de natureza do patético e do sublime, o correr rapidamente, arrastando tudo, exigem que as figuras que os expressãm sejam enérgicas e incisivas, e não dão a um ouvinte o tempo preciso para poder ser crítico da sua multiplicidade, porque diretamente lhe ferem a imaginação e lhe comunicam a veemência e a energia. 
                  Admita-se de momento a possibilidade dum escritor impecável e acabado, e então valerá a pena examinar na generalidade este ponto importante; se, em poesia ou prosa, o que é verdadeiramente grande de mistura com alguns defeitos valerá mais do que o que, nada tenho de extraordinário nos seus melhores trechos, é contudo inteiramente correto e sem defeito? E, mais, se a excelência do bem-escrever consiste o número das suas belezas ou na grandeza dos seus rasgos? 
                   De bom grado admito que os escritores de um gênio alto e dominador nem sempre são puros e corretos, visto que o que é de princípio ao fim acurado e polido deve tender extremamente a ser chão. No sublime, como numa afluência demasiado rica, alguns pormenores menos importantes escaparão inevitavelmente à observação. Mas é quase impossível a um engenho chão o cair em erro, visto que nunca a isso se arrisca, voando alto ou tentando ser sublime, visto que continua sempre no mesmo caminho uniforme e seguro, ao passo que a própria grandeza e arrojo do sublime expõe a quedas súbitas. Nem ignoro ainda outra, a qual sem dúvida objetarão, e é que ao criticar as obras dum autor, sempre notamos as suas imperfeições, de modo que a memória dos seus defeitos perdura no espírito, ao passo que a das suas qualidades depressa se nos esvai.  Quanto a mim, tenho tomado nota de não poucas imperfeições de Homero e de outros dos maiores autores, às quais não posso ser cego; tenho-as, porém, não por defeitos voluntários, mas antes por lapsos causais acontecidos por inadvertência; tais com os que, quando o espírito está entregue a assuntos de natureza elevada, insensivelmente penetram nas composições literárias. E por isto dou como minha opinião final que os rasgos grandes e nobres, conquanto não ostentem uma perfeição igual, devem ainda assim levar a palma, pelo único mérito da sua grandeza intrínseca. 
                   Apolônio, autor da Argonáutica, era um escritor impecável; e ninguém escreveu melhores pastorais do que Theócrito, excetuando algumas composições  em que ele se desviou do seu gênero. Mas apesar disso tudo, preferireis se Apolônio ou Theócrito a ser Homero? O poeta Eratósthenes, cuja Erigona é uma composição completa e mimosa e sem um único defeito, deverá ser considerado superior como poeta a Archiloco, que tem muitas e arrojadas irregularidades, um espírito divino arremessando-se na sua nobre carreira, um espírito que se não dobra às regras nem facilmente se deixa inibir? Na lírica, querereis antes ser Bacchylides do que  Píndaro ou Io de Chios do que o grande Sófocles?  Bacchylides e Io escreveram suave, mimosa e corretamente, nada deixaram que não fosse polido; mas em Píndaro e Sófocles, que levam fogo consigo pela rapidez do seu movimento, esse próprio fogo muitas vezes se lhes apaga, e então caem misevavelmente. Mas tenho a certeza de que não há ninguém de gosto que hesite em preferir o simples Édipo de Sófocles a tudo quanto Io escreveu. 
                  Se as excelências dos autores tem de ser apreciadas pelo seu número, e não pela  sua qualidade ou grandeza,  então Hiperides tem de ser considerado muito superior a Demosthenes. Tem mais harmonia e melhor cadência, um maior número de belezas e estas de um grau quase excepcional.  Parece um campeão que, tendo-se feito senhor dos cinco exercícios, em cada um deles deve ceder a outrem a primazia, mas em todos juntos permanece único e sem rival. Porque Hiperides em tudo, exceto na estrutura das palavras, imitou as qualidades de Demosthenes, juntando-lhe a beleza grandiosa de Lísias. Quando o seu assunto exige simplicidade, o seu estilo é extremamente suave; nem dá expressão a tudo com a mesma ênfase veemente do que Demosthenes. Os seus conceitos são sempre justos e apropriados, temperados por uma doçura deliciosa e suave harmonia de palavras. Os seus ditos de espírito são  inconcebivelmente finos. Provoca o riso com uma arte magistral e é grande a sua destreza na ironia ou no escarno. O seu modo de motejar está longe de ser grosseiro, nem é nunca excessivo como o dos imitadores degenerados da concisão atica; é, pelo contrário, natural e próprio. Que arte não tem em fugir a um argumento! Com que graça ridiculariza, e com que destreza fere em meio de um sorriso! Numa palavra, há uma graciosidade inimitável em tudo o que diz. Nunca ninguém com mais arte comoveu; ninguém houve mais difuso na narrativa; ninguém mais hábil em abandonar e retomar um assunto com tanta facilidade e sutileza. Vê-se isto claramente nas suas pequenas fábulas poéticas de Latona; e, de mais a mais, compôs uma oração fúnebre cuja pompa e ornatos creio que nunca foram nem virão a ser ignorados. 
                    Demosthenes, pelo contrário, não foi bem sucedido na descrição das tendências e caracteres dos homens; a eloquência difusa era-lhe desconhecida; desajeitado na sua apresentação; falho de pompa e de esplendor na sua linguagem; e, numa palavra, deficiente na maioria das qualidades que caracterizam Hiperides. Onde o assunto o obriga a ser alegre ou jocoso, faz rir com efeito, mas é dele. E Quanto mais se esforça por gracejar, mais longe está de o fazer. Se alguma vez tivesse tendado um discurso a favor de uma Frine ou de um Atenógenes, essas tentativas só teriam feito dele um péssimo exemplo para Hiperides. 
                  E, apesar de tudo, a me ver, as numerosas belezas de Hiperides estão longe de ter qualquer grandeza intrínseca. Mostram a sobriedade serena do engenho do autor, mas não tem alma nem para animar nem para entusiasmar uma assembléia. Ninguém que o leia se sente tomado de qualquer emoção extraordinária. Ao passo que Demosthenes, juntando a uma constante grandeza de inspiração e magnificência de frase (as maiores qualidades de um orador) tais rasgos de paixão, tal cópia de palavras, tal rapidez no falar; e, o que constitui o seu gênio especial, tal energia e veemência com os maiores autores não ousaram aspirar a atingir; tendo, repito, em abundância todas estas qualidades divinas (seria pecado chamar-lhe humanas), - excede a todos que o precederam, em belezas que lhe são próprias; e para compensar as deficiências nas qualidades que não tem, vence todos os adversários pela força irresistível e relampaguear deslumbrante da sua eloquência. Porque é mais fácil ver com olhos firmes e não deslumbrados o clarão do relâmpago do que aqueles rasgos ardentes do patético que tão rapidamente se sucedem nas suas orações. 
                   O paralelo entre Platão e os seus adversários deve ser feito de um ponto de vista diferente. Porque Lísias não só lhe é inferior na excelência geral, mas também no número das suas belezas. E, o que é mais, não só fica aquém dele no número das suas belezas, mas excede-o de muito na quantidade dos seus defeitos.   
                  Que devemos nós supor, portanto, que tinham em vista aqueles escritores divinos que tanto se empenharam em levantar as suas composições ao mais alto ponto do sublime, e olharem com desprezo para a correção? Entre outras, aceite-se esta explicação. A natureza nunca tencionou que o homem fosse um animal rastejante e acanhado, mas trouxe-o para a vida e colocou-o no mundo como num teatro apinhado, não para ser um espectador ocioso, mas levado por sede ansiosa de vencer, para lutar ardentemente pela posse da glória. Para este fim lhe pôs ela na alma um amor invencível da grandeza, e um constante rivalizar com o que mais ele parece aproximar-se da divindade. É por isso que todo o universo  não basta para o alcance enorme e especulação penetrante do entendimento humano. Passa os limites do mundo material e gostosamente se lança pelo espaço infinito. Que cada um de vós examine de perto uma vida que em cada cena seja notável pela sua grandeza, beleza, excelência, e breve perceberá os nobres fins para que nascemos. Assim, o impulso natural faz com que admiremos, não o regato pequenino e transparente que nos mata a sede, mas o Nilo, Ister, o Rheno, ou, muito mais ainda, o Oceano. Nunca nos causa surpresa o pobre lume que arde claro e se apaga na nossa lareira, mas assombra-nos os fogos celestes, conquanto muitas vezes os obscureçam as nuvens e os eclipses.  Nem há nada na natureza que mais nos maravilhe do que as fornalhas ardentes do Etna, que vomitam pedras, e às vezes rochedos inteiros, do seu abismo laborante, e espalham rios inteiros de chama líquida e una. E disto podemos concluir que quando é útil e necessário ao homem está ao nível do seu alcance e facilmente se obtêm; mas tudo quanto excede o tamanho vulgar é sempre grandioso e sempre assombra.  
                  Com respeito, portanto, àqueles escritores sublimes cujo voo,  por alto que seja, nunca perde a sua utilidade e vantagem, temos outra consideração a acrescentar. As belezas de ordem inferior mostram que os seus autores são homens, mas o sublime aproxima-se de Deus. O que é correto e impecável apenas escapa à censura, mas o grande e sublime provocam a admiração. Que mais terei para dizer? Um sentimento elevado e sublime naqueles nobres autores compensa amplamente todos os seus defeitos. E o que é mais notável é que se os erros de Homero, Demosthenes, Platão, e outros dos mais célebres autores, se coligissem, nem de longe o seu número se aproximaria daquelas excelências infinitas e inimitáveis que são tão patentes neste heróis da antiguidade. E é por isto que todas as épocas e todas as gerações, imparcialmente tem concedido a estes grandes estes os louro que ainda estão verdes e imarcescíveis nas suas fontes. 
                  Certo escritor objeta neste ponto que um colosso mal esculpido não vale uma  estatueta impecável, por exemplo, o soldado de Policleto; mas mas a resposta a isto é evidente. Nas obras de arte olhamos às proporções exatas; nas da natureza  à grandeza e à magnificência. Ora, a linguagem é um dom que a natureza nos fez. Portanto, assim como a semelhança e a proporção em vista dos originais são precisas nas estátuas, assim na nobre faculdade de falar deve haver qualquer coisa de extraordinário, qualquer coisa de mais que humanamente grande... (O primeiro da seção sobre hipérbole perdeu-se). Esta hipérbole, por exemplo, é extremamente má: " Se não lavares os miolos nas solas dos pés e os pisares." Temos sempre de atender, portanto, a uma consideração: até que ponto pode o pensamento ser levado com propriedade. Porque ir além daquilo que é próprio, muitas vezes estraga a hipérbole; e o que é esticado de mais, relaxa-se e perde o tom; mais, produz por vezes um efeito contrário ao que se queria obter. Assim, Isócrates, infantilmente desejoso de não dizer nada sem exagero, deu em puerilidade vergonhosa.  O fim e objeto do seu Panegirico é provar que os atenienses foram maus uteis à Grécia em geral do que os espartanos; e eis como ele principia: "A  virtude e eficiência da eloquência é tão grande que pode tornar despiciendas as grandes coisas, vestir os assuntos triviais com pompa e ornamento, dar um traje novo ao que é velho e obsoleto e dar a coisas recentes um ar de antiguidade." Quem não perguntará imediatamente: É isso o que ides fazer com respeito aos atenienses e espartanos?  Porque este descabido encomio da eloquência é uma advertência insciente aos ouvintes para que não o escutem ou não lhe deem crédito. 
                  São melhores, em resumo, aqueles hipérboles (como já antes observei das imagens) que não tem a aparência nem o aspecto de hipérboles.  E esta é sempre a natureza daquelas que, no calor de uma paixão, aparecem no meio de um assunto de monta. Assim Thucidides aplicou com destreza um hipérbole aos seus compatriotas que morreram na Sicília. "Os siracusanos, diz ele, desceram sobre eles e trucidaram especialmente os que estavam no rio. A água imediatamente tinta de sangue. Mas estar o rio sujo de lama e sangue não evitou que eles o bebessem ávidamente, nem que mutos deles lutassem desesperadamente para chegarem à água." Uma circunstância tão rara e comovente dá à quelas expressões de beber lama e sangue, e lutar desesperadamente para beber, Um ar de probabilidade. 
                   As hipérboles são, literalmente, impossibilidades, e portanto só podem ser razoáveis ou produtoras de sublimidade onde as circunstâncias admitem o exagero, para que possam sempre parecer importantes e grandiosas.  
                   Heródoto usou uma hipérbole idêntica com referência à queles guerreiros que caíram na Thermópilas: "Neste ponto se defenderam com as armas que lhes restavam, e com unhas e dentes, até ficarem soterrados sob as setas dos bárbaros." 
                 Será impossível, perguntais, que homens se defendam a dente contra a fúria de adversários armados? Será possível que homens possam ser soterrados por setas? Mas, apesar de tudo isto, há no caso uma sombra de probabilidade. Porque não é a circunstância que parece ter sido adaptada à hipérbole, mas a hipérbole parece ser resultado  inevitável da circunstância. Porque a aplicação destas figuras apenas onde o calor da ação ou a impetuosidade da paixão as exige (ponto que nunca deixarei de insistir) bastante atenua a mitiga a audácia de expressões demasiado arrojadas. O mesmo se dá na comédia, onde circunstâncias de todo absurdas e incríveis ficam muito bem, porque estão de acordo com seu fim, que é provocar o riso. Sirva de exemplo este trecho: "Ele possui um bocado de terreno do tamanho de uma carta espartana." Porque o riso é uma paixão que nasce de qualquer  íntimo prazer. 
                   Mas as hipérboles servem geralmente para dois fins: aumentam e diminuem. Levam qualquer coisa além do seu tamanho natural em ambos os casos. E a força de expressão (a outra espécie de hipérbole) aumenta a baixeza de qualquer coisa, ou acentua a trivialidade das coisas triviais. 
BREVE BIOGRAFIA DE "LONGINO". 
               Dionísio Cássio Longino, o primeiro retórico, crítico e expositor de filosofia do seu tempo, e tido por alguns como o melhor crítico da antiguidade, nasceu, provavelmente na Síria, no ano 203 da nossa era. Foi discípulo de Orígenes em Alexandria, e estabeleceu-se em Atenas como professor de literatura e oratória, ganhando uma enorme fama, não só como uma viva enciclopédia, mas também pelas suas faculdades de intuição e de crítica. No fim da vida foi preceptor dos filhos de Zenóbia em Palmira, e o seu principal conselheiro político; derrotada ela por Aureliano, foi condenado à morte com traidor. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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domingo, 9 de março de 2014

A NATUREZA É A VERDADEIRA MUSA DAS ARTES


A NATUREZA É A VERDADEIRA MUSA DAS ARTES
Por Nicéas Romeo Zanchett 
                   A arte e a natureza são combinações de cores, de linhas, sons e palavras. Ela sempre inspira a arte. Os campos, as matas, as plantas, os rochedos, os animais, o mar, o céu e o próprio homem são musas originais para o artista. 
                   Em toda a obra de arte, a qualidade suprema é o divino natural. Charles Darwin dizia que antes de falar o homem cantou como uma ave.


                   A arte da música traduz as imagens sensíveis de nossa alma. Pela variedade de timbres ela desnuda os nossos sentimentos. 
                   Os ruídos da natureza estão gravados em nossas origens ancestrais e continuam intimamente ligados às nossas fantasias e percepções. 

                   O vento circulando entre as árvores; o som da cachoeira e a permanente inquietude das ondas do mar batendo nas praias, são fontes incessantes para o artista. Os nossos sentidos estão constantemente permutando informações visuais e sonoras com o ambiente onde vivemos. 
                   Todas esses fenômenos naturais são percebidos pela energia cósmica que nos deu vida; é ela que, "através do pensamento" (que é invisível), conecta-se ao cérebro e o faz agir e reagir de acordo com a capacidade intelectual de cada um. A energia vital do artista tem enorme quantidade de conexões com outras energias que circulam pelo cosmos, e é exatamente por isso que recebe informações e as transforma em arte. O artista que nasce sabendo tocar piano, por exemplo, só o faz porque sua energia cósmica está conectada com a "energia cósmica" de alguém que já foi um grande pianista. O pensamento desse artista não tem origem no seu cérebro; ele é um fenômeno invisível que serve para transmitir as informações mandadas pela sua energia e assim, através do cérebro,  ele comanda seu talento para a realização da sua arte.

                  A escultura exprime as formas e faz abstração da cor como qualidade desprezível. Um corpo tem variadas dimensões que projeta em nossos olhos, conforme o ângulo de visão, imagens diferentes. Dessa forma, um olho vê uma imagem diferente da que o outro olho vê. Se fecharmos um olho teremos um formato; invertendo a posição veremos outra imagem. A diferença das duas imagens ou visão binocular nos permite apreciar as perspectivas do objeto e sua extensão em profundeza. 
Escultura de Romeo Zanchett 

                 Já na pitura as imagens se mostram de forma igual para os dois olhos. Assim, a pintura numa tela plana, qualquer que seja o estilo, nos mostra a visão do artista naquele momento que a pintou. 
                 A natureza nos fornece imagens tomadas de vários ângulos, várias distancias e perspectivas. O artista combina-as e expressa em cores a sua visão e sentimentos daquele instante. Portanto, se o mesmo artista pintar a mesma paisagem em momentos diferentes elas serão diferentes, com cores e expressões diversas. 
                  Segundo cálculos de Wallaston, a luz do sol é 800.000 vezes mais intensa que a da lua cheia em noite de céu estrelado.  Estas influências da natureza alteram os nossos sentimentos, ações e formas de expressão. 
                  Se observarmos com acuidade, olhando para o passado, veremos que muitos dos grandes artistas nunca foram compreendidos. É que sua visão de mundo era diferente da visão de outas pessoas. Todo o verdadeiro artista gosta de estar junto à natureza, e o burburinho da cidade lhe incomoda. Mesmo que não possa estar onde deseja, seu pensamento lhe permite viajar no tempo e no espaço como uma águia livre que voa contra o vento. 
Nicéas Romeo Zanchett 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

COMO SE DEVE FAZER UMA TRAGÉDIA - Por Aristóteles

COMO SE DEVE FAZER UMA TRAGÉDIA
Por Aristóteles 
Aristóteles, o grande filósofo grego dá uma aula para quem gosta de escrever tragédias.
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DOS CARACTERES
                 Como a constituição das tragédias mais belas não há de ser simples, mas implexa, e há de ser além disso imitadora de coisas, que excitem o terror e a compaixão, porque isto é próprio deste gênero de imitação; segue-se, evidentemente, que nem devem introduzir-se homens muito bons, e justos, que passem da fortuna para a desgraça, porque isto não é terrível. nem digno de compaixão, mas sim abominável; nem também homens maus, que passem da desgraça para a fortuna, pois que não há coisa menos trágica, porque lhe faltam todos os requisitos que deve ter a tragédia. Portanto não é conforme aos sentimentos da humanidade, nem excita compaixão ou terror. 
                  Finalmente, também um homem muito mau não deve voltar da felicidade para a infelicidade; porque esta composição, bem que fosse conforme os sentimentos da humanidade, não produzia, contudo, compaixão  nem terror; porque a compaixão tem lugar a respeito do que é infeliz sem o merecer; e o terror a respeito do nosso semelhante desgraçado. Pelo que, neste caso, o que acontece nem parece terrível, nem  digno de compaixão. 
                  Resta pois o homem que está no meio destes extremos. Este, é aquele que nem se distingue muito pela virtude e justiça, nem também cai em desgraça pela sua malícia própria, mas sim por algum erro, ou defeito. E há de ser alguma personagem das que estão em glória, e felicidade, como Édipo, Thiestes, e outros homens ilustres de semelhantes família. 
                  É pois necessário que uma fábula bem constituída seja antes simples, do que composta, como alguns querem, e que a mudança não seja da desgraça para a fortuna, mas, pelo contrário, da fortuna para a desgraça; e, finalmente, que não aconteça por maldade, mas por erro, ou defeito grande de alguma pessoa, que seja tal qual dissemos; ou quando não, que antes propenda para melhor, do que para pior. 
                  Isto se prova com a experiência; porque antigamente serviam-se os poetas de quaisquer fábulas, que encontravam; mas hoje as mais belas tragédias tomam o seu assunto de um pequeno número de famílias, como são as de Alemeon, de Édipo, de Orestes, de Meleagro, de Thiestes, de Telefo, e de quaisquer outros que obraram ou padeceram coisas terríveis. 
                   A mais bela tragédia, segundo as regras da arte, é aquela que for composta por este modo. Por isso erram os que culpam Eurípides por observar estas regras nas suas tragédias, e por dar a muitas delas um êxito infeliz,   pois que isto é o que deve ser, como já dissemos. 
                    A prova mais evidente, é que as tragédias deste gênero parecem as mais trágicas de todas, tanto no teatro como nos certames, se forem bem executadas. E o mesmo Eurípides, posto que não disponha bem de outras coisas, parece, contudo, ser o mais trágico de todos os poetas. 
                   Segundo gênero de constituição das fábulas (que alguns põem em primeiro lugar), é o que tem uma constituição composta, como a de Odisseia, e que se conclui por um modo contrário ao primeiro, tanto a respeito dos homens bons, como dos maus.  
                   Julgo-se que esta mereceria o primeiro lugar por imperícia dos teatros, porque os poetas se acomodaram a ela, compondo à vontade e sabor dos espectadores. Porém, o prazer que resulta deste gênero de composições, é muito mais próprio da comédia que da tragédia; porque nela os que são na fábula inimicíssimos, como Orestes e Egistho, se tornaram por fim amigos, e nenhum deles é morto pelo outro. 

DONDE DEVE NASCER O TERROR E A COMPAIXÃO
                    Pode, pois, excitar-se o terror e a compaixão pela aparato da cena, e também pelo mesmo contexto das coisas, o que tem o primeiro lugar, e é na verdade de melhor poeta. 
                    Portanto, a fábula deve estar composta de tal maneira, que quem ouvir as coisas que vão acontecendo, ainda que nada veja, só pelos sucessos se horrorize e se compadeça, como experimentará quem ouvir a tragédia de Édipo. 
                    Ora o querer conseguir isto, pelo espetáculo, é coisa para que não concorre a arte do poeta, e que depende do aparato, e do custo da cena. 
                    Também se desviam inteiramente da tragédia os que nos oferecem em espetáculo, não coisas terríveis, mas monstruosas; porque não se há de procurar indistintamente na tragédia qualquer gênero de prazer, porém, somente o que é próprio dela. 
                     Como pois o pota deve por meio da imitação preparar-nos aquele prazer, que nasce da compaixão e do terror, segue-se evidentemente, que ele se há de valer para isto das coisas qe representa.  

DAS AÇÕES 
                      Estabeleçamos pois, quis dos acontecimentos são terríveis, e quais são dignos de compaixão. Todas as ações, que representam, necessariamente hão de acontecer ou entre amigos, ou entre inimigos, ou entre pessoas indiferentes. 
                      Ora se um um inimigo matar o seu inimigo,  nem na ocasião em que o mata, nem quando se dispõe para matar nos dá motivo algum de compaixão, exceto a que provém da mesma calamidade; assim como também o não dão as pessoas indiferentes. 
                      Quando porém estas calamidade sucedem entre os amigos, por exemplo, quando um irmão mata, ou intenta matar a seu irmão, o filho ao pai, a mãe ao filho, ou o filho à mãe, ou fazem qualquer outra coisa semelhante, então são estes os acontecimentos, que devemos procurar. 
                      Não é porém permitido destruir as fábulas recebidas; por exemplo, que Clitemnestra foi morta por Orestes, e Erifile por Alcmeon; mas deve-se achar a fábula, e usar bem das que estiverem recebidas. 
                      Expliquemos com mais clareza a que chegamos usar bem. Por quanto a ação ou pode assim ser feita por pessoas que sabem, e conhecem o que fizeram (como os antigos praticavam), e desta maneira representou Eurípedes a Medea matando a seus filhos: ou pode ser feita por pessoas que ignoram a atrocidade da ação, e estas conheceram depois a aliança, que tinham com os ofendidos, assim como o Édipo de Sófocles. (Aí porém sucede isto fora da tragédia; na mesma tragédia o introduziram, por exemplo, Astidamente  no Alcmeon e Telegono no Ulisses ferido). Ou ultimamente, e em terceiro lugar, quando aquele, que vai a cometer por ignorância alguma ação atroz, a a reconhece antes de a executar. não há outro modo além destes, porque necessariamente a ação ou se há de fazer, ou não fazer; e as pessoas ou hão de saber, ou hão de ignorar o que cometem. 
                      De todos estes modos o péssimo é quando aquele que conhece e intenta fazer o mal, ou não chega a executar, porque isto é abominável, e não é trágico, pois que não pode mover os afetos.  Pelo que os poetas não representam coisas semelhantes, senão raras vezes; assim como Emon na Antigone, que quer matar a Creonte. Por quanto ainda vale mais, que o que conhece a maldade, a chegue a executar. 
                      É porém melhor, que o autor do crime o ignore, e que depois de feito o reconheça. Porém então nisto não há coisa alguma abominável, e vem a ser a agnição muito patética. 
                      Porém p último modo é o melhor de todos; por exemplo, na tragédia de Cresfonte está Merope a ponto de matar seu filho; mas não o mata, porque emfim o reconhece . Na Ifigênia sucede o mesmo à irmã a respeito de seu irmão. E na Helle, quando o filho vai para entregar sua mãe, então é que a reconhece. 
                     Por esta razão, como já dissemos em outro lugar, não há muitas famílias, de que se possam tirar assuntos para as tragédias. Porque como os poetas não tiravam os assuntos da invenção da sua arte, mas por acasos da fortuna, somente inventaram o modo de os acomodar na constituição das fábulas. Por isso são eles obrigados a vir encontrar-se com todas aquelas famílias, a quem aconteceram semelhantes calamidades. Temos pois dito quanto basta acerca da constituição das cousas, e de quais devam ser as fábulas. 
Dando aula. 

DOS COSTUMES 
                    Acerca dos costumes há quatro coisas, que se devem procurar. A primeira e a principal é que eles sejam bons.  Ora  haverá costumes, se as palavras, ou as ações derem a conhecer alguma propensão ou inclinação; e serão maus, se ela for má; e bons, se ele for boa. Acha-se isto em todo o gênero de pessoas; porque também há mulheres, e escravos bons, posto que elas tenham talvez mais maldade, e que estes sejam inteiramente perversos. 
                    Em segundo lúgar devem ser convenientes; porque  a fortaleza varonil é um costume, e todavia não convém a uma mulher o ser varonil ou terrível. 
                    Em terceiro lugar hão de ser semelhantes entre si, pois que isto é diverso do fazer os costumes  bons e convenientes, como fica dito. 
                    Em quarto lugar devem ser iguais; porque ainda que imitemos um homem desigual e representemos semelhante costume, contudo ele deve ser igualmente desigual. 
                    Temos exemplo de costumes maus introduzidos sem necessidade em Menelao no Orestes; de costumes indecorosos e não convenientes na lamentação de Ulisses na Scilla, e na fala de Menalippe; de costumes desiguais na Ifigênia em Aulis; porque a Ifigênia, que ao princípio suplica, não se parece ao depois consigo mesma. 
                    Também nos costumes, assim como na constituição das coisas, se há de procurar sempre ou o necessário, ou o verosímil, e que os acontecimentos sucedam uns aos outros ou segundo a necessidade, ou segundo a verosimilhança. 
                    É pois manifesto, que a solução das fábulas devem resultar do contexto da mesma fábula, e não de maquina, como a Mdea e na  Ilíada  no lugar em que se trata da retirada por mar. 
                   Mas pode-se usar da máquina no que é de fora da tragédia, ou naquelas que aconteceram antes, as quais não é possível que os homens saibam; ou naquelas que hão de suceder depois, que necessitam de ser prognosticadas, e anunciadas dantes; porque nós atribuímos aos deuses o poder de verem tudo. 
                    Não deve pois haver nos sucessos que se representam, coisa alguma que se não conforme com a razão, exceto se for fora da tragédia, como se faz no Édipo de Sófocles. 
                    Como porém a tragédia é a imitação dos melhores homens, é necessário que imitemos os bons pintores, porquanto estes, dando a todos a sua própria figura e  representando-os com semelhança, os pinta, os pintam contudo mais formosos; assim também o poeta, que imita homens iracundos ou arrebatados ou com outros semelhantes costumes, deve formar um modelo de cólera, segundo a verosimilhança, assim como Homero e Agathon representaram a Aquiles.  
                    Portanto há de se atender cuidadosamente a estas coisas, e depois disso aos sentidos que acompanham a poética, além das coisas que são necessidade; porque nisto nos enganamos muitas vezes; mas já tratamos deste ponto na obra que publicamos. 
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DAS DIFERENTES ESPÉCIES DE AGNIÇÃO 
                   Já acima dissemos que coisa seja agnição. As espécies de agnição são estas: a primeira (que é a de menos artifício, e de que usam quase todos por falta de invenção) é a que se faz pelos sinais. Destes, uns são naturais, como a lança, que em si trazem os filhos da terra, ou as estrelas, de que usou Carcino do Thiestes; e outros são estranhos e destes uns são no corpo, como as cicatrizes; e outros externos como os colares, e como o berço do Tiro. 
                   Destes sinais se pode usar uma vezes melhor e outras pior; por exemplo, Ulisses foi reconhecido pela cicatriz de um modo pela sua ama, e de outro modo diverso pelos porqueiros; porquanto as agnições que se fazem para persuadir alguma coisa, e todas as mais deste gênero, são as menos engenhosas; e as que nascem da peripécia, como a que se faz quando a ama lava os pés de Ulisses, são as melhores. 
                   A segunda espécie de agnição é a que inventa o poeta, e por isso mesmo não tem artifício. Por exemplo, Orestes na Ifigênia reconheceu sua irmã, e foi por ela reconhecido. Ela foi reconhecida pela carta, porém ele pelos sinais. Neste caso pois diz o poeta o que quer, e não o que quer a fábula; pelo que quase cai no defeito acima dito; pois que ele podia introduzir outras quaisquer coisas. Outro exemplo  é a vós da lançadeira no Térreo de Sófocles. 
                    A terceira espécie é a que se faz pela memória, pela que sente aquele que vê alguma coisa, assim como nos Cíprios de Diógenes, porque aí o que viu uma pintura se pôs a chorar; e a que se faz na narração de Alcino, porque ouvindo Ulisses um tangedor de cítara, e recordando-se, chorou, e desta maneira foram reconhecidos. 
                    A quarta é a que se faz por silogismo, como nos Coeforos, porquanto tinha vindo alguém, que era semelhante; ninguém é semelhante senão Orestes; logo o que veio é Orestes. E a do sofista Polyido na sua Ifigênia, porque era provável, que Orestes discorresse, que se sua irmã tinha sido sacrificada, também ele o havia de ser. E a que se faz no Tídeo de Theodctes, que vindo para procurar seu filho, ele mesmo tinha sido morto. E nas Tineides, porque vendo elas o lugar, coligiram daí o seu fado e que estava destinado que morressem nesse lugar, porque ali tinham sido expostas. 
                    Também há um modo de agnição, que se faz por um paralogismo dos espectadores, como no Ulisses falso núncio, porque ele disse que havia de conhecer o arco, que não tinha visto; e os espectadores, como se ele o houvesse de conhecer, fizeram daqui um raciocínio falso. 
                    Ora a melhor agnição de todas é a que nasce dos mesmos incidentes, conciliando-se a admiração por coisas prováveis, assim como a do Édipo de Sófocles, e da Ifigênia (sendo provável, que ele quisesse enviar cartas). Porquanto só as deste gênero se fazem sem ninais inventados nem colares. Depois destas seguem-se as que se fazem por silogismo. 

DO MÉTODO DE COMPOSIÇÃO 
                   Deve pois o poeta ordenar as fábulas, e representá-las com palavras, tendo-as presentes aos olhos o mais que lhe for possível; porque desta sorte vendo as coisas clarissimamente, como se estivesse presente aos mesmos sucessos, descobrirá o que convém e não lhe escapará coisa algum que for contrária e repugnante. 
                   É a prova disto o que se repreende a Carcino, porque em uma tragédia, Amfiarao saía do templo sem o saberem os espectadores, que o não viam, e por esta razão indignados disto a não sofrerem no teatro. 
                   Deve também representar exatamente tudo quanto lhe for possível, com os gestos e ações. Porque, segundo a mesma natureza, ninguém persuade tão bem como os que estão possuídos de paixão; por isso o que está violentamente agitado, e o irado faz irar verdadeiramente os mais. 
                   Pelo que a poesia ou é para homens de excelente engenho ou para os que tem furor e entusiasmo; porque aqueles são fáceis em fingir e estes transportam-se e saem de si.  
                   Portanto, é necessário que o poeta disponha em geral tanto as fábulas já feitas, como as que ele mesmo faz, e que forme depois os episódios e entrelace as circunstâncias. 
                   A que eu chamo considerar de fábula em geral, vê-se neste exemplo. Estando para ser sacrificada a donzela Ifigênia, e desaparecendo ocultamente dos olhos dos sacrificadores, foi estabelecer-se em outra terra, onde era lei que os estrangeiros fossem sacrificados à deusa, e ali ocupou o sacerdócio deste templo. Pelo tempo adiante sucedeu vir ali o irmão da mesma sacerdotisa. E porque motivo? Porque um oráculo assim o determinara por alguma coisa (o vir ele é fora da ideia geral; e o motivo por que veio, é alheio da fábula). Vindo, pois, e sendo preso e estando a ponto de ser sacrificado, fez-se o reconhecimento, ou da maneira que fingiu Eurípides, ou (como fez Poliides) dizendo como era verosímil, que não bastava que sua irmã tivesse sido sacrificada, mas que também ele o tinha de ser; e daqui lhe vem a salvação. 
                    Depois disto deve logo por os nomes às pessoas e formar os episódios, advertindo que sejam próprios, assim como no Orestes a doidice, porque foi preso, e o seu livramento pelas espiações. 
                    Nos dramas pois são os episódios breves; mas a epopeia maior extensão recebe deles. Por quanto a fábula da Odisseia é dilatada. Um homem, que anda peregrinando pelo espaço de muitos anos, perseguido de Netuno, e restando ele só dos seus companheiros, e que seguem além disto os seus negócios domésticos em tal estado, que os pretendentes de sua mulher lhe consomem seus bens, e lhe armam traições ao filho, chega à casa combatido das tempestades, e reconhecendo a uns e atacando a outros, por fim se salva e destrói seus inimigos.  Eis aqui pois, o que é próprio; tudo o mais são episódios. 
Aqui termina esta maravilhosa aula de Aristóteles

BREVE BIOGRAFIA 
                Aristóteles, o grande filósofo grego, nasceu em Stagira, na Macedônia, em 384 a.C.  Seu pai foi amigo e médico dopai do re Fillipe. Era criança quando ficou órfão; aos 18 anos foi estudar filosofia em  Atenas e logo que Platão voltou de Siracusa, três anos depois de sua entrada em Atenas, seguiu o ensino do grande filósofo até a sua morte. Depois da morte de Platão, Aristóteles passou `a corte do seu antigo discípulo Hermias, novo  tirano de  Atarne, defronte de Lesbos. Três anos depois, Hermias foi morto por traição e Aristóteles fugiu para Mitilene com a irmã de Hermias, com quem casou. Passados dois anos, em 342 a.C., Felipe chamou-o à Macedônia para ele se encarregar da educação de seu filho Alexandre, que então estava com 13 anos. Em 334 a.C., quando Alexandre invadiu a Ásia, voltou para Atenas e abriu uma escola de filosofia no Peripatos, ou passeio coberto do Liceu. Depois da morte de Alexandre,  Aristóteles foi perseguido com impiedade, como Sócrates, e retirou-se para Chalcis na Eubeia, onde morreu no ano 322 a.C. As suas obras compreendiam 146 volumes (dos quais 100 se perderam) e neles está sistematizada toda a ciência da antiguidade. Das obras que chegaram até nós, as principais são: a Lógica, as Éticas, a Política, a Metafísica, a Poética, a Retórica, a Física, História natural dos animais, a Geração dos animais, o Tratado do Céu, a Meteorologia, etc. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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domingo, 2 de fevereiro de 2014

A VIDA EXISTE GRAÇAS À ENERGIA CÓSMICA

A VIDA EXISTE GRAÇAS À ENERGIA CÓSMICA 
Por Nicéas Romeo Zanchett 
                     Todos nós, animais e plantas somos energia pura. Aquilo que chamamos de corpo é apenas uma pequena parte dessa energia que só foi possível por uma engenhosa formação de água e minerais. O sol é a fonte de energia (cósmica) que permite a existência da vida (energia vital). Se ele apagasse, toda a vida deixaria de existir imediatamente. 
                     Podemos dizer que o sol é uma usina que possui imensa quantidade de energia em seu núcleo. Está em permanente erupção e projeta "faiscas" que se expandem pelo espaço até os limites do seu poder ou domínio. Estas "faiscas"  formaram os planetas que o circundam. Entre estes planetas está a Terra, cuja formação com diversos minerais e água, permite a existência da vida. Se pusermos uma semente saudável sobre a terra e a cobrirmos para não receber a luz solar ela não germinará, simplesmente se desintegrará. Mas se permitirmos que receba a energia solar (cósmica) ela germinara e se transformará numa bela planta ou até numa frondosa árvore. 
                    O mesmo acontece com os "seres" animais, entre eles o "ser" humano. Todo o animal ou planta, se forma pela engenhosa combinação do DNA de seu gerador (os pais). Dessa forma, um besouro gerará outro besouro, um pinhão gerará um pinheiro, uma vaca gerará um bezerro e a mulher gerará um bebê, sua imagem e semelhança. 
                    Recentemente os cientistas descobriram que todos nós ainda possuímos genes do homem de Neanderthal, que existiu a cerca de 40 mil anos. Portanto somos a reencarnação de todos os nossos ancestrais. Está é, portanto, a verdadeira reencarnação, que naturalmente, sendo um fato científico, nada tem a ver com opiniões, crenças religiosas ou doutrinas. É apenas uma questão científica que cada dia mais nos aproxima da verdadeira origem da vida. 

                     A energia cósmica vinda do sol está dispersa e ocupando todos os espaços. No momento em que uma planta ou um ser animal nasce, recebe parte dessa "energia pura" que se transforma em "energia vital" . No caso dos animais (entre eles os seres humanos) enquanto estiver ligado  (pelo cordão umbilical) ao corpo que o gerou, estará recebendo "energia vital" desse corpo; no momento da separação passa imediatamente a ter sua própria energia, que é autônoma e insubordinada. Aí começa uma nova vida independente. Ela durará o tempo que esse corpo tiver condições de se manter. No momento que ele adoecer gravemente, envelhecer ou simplesmente tiver algum órgão vital inutilizado, a energia que lhe deu vida se retirará e o corpo se desintegrará, voltando a ser água e minerais. É o que chamamos erroneamente de morte. Porque a morte literalmente não existe; existe apenas a decomposição de um corpo que perdeu sua "energia vital".  Quanto à energia, que deu vida àquele corpo, imediatamente voltará a seu estado anterior, ou seja, de energia pura. Essa energia continuará seu caminho pelo universo, mas, de alguma forma sempre estará conectada a outras energias semelhantes. E assim ela poderá voltar a dar "energia vital" a algum semelhante e muitas vezes bem próximo do anterior. Pode até ser da mesma família e assim ter o mesmo genoma.  Mas é preciso compreender que não se trata de uma "reencarnação" e sim de uma nova "encarnação", dando "energia vital" a um novo corpo que continuará evoluindo e agregando novos genomas que irão evoluir no tempo.  Dessa forma o mundo que conhecemos continuará, num permanente ciclo de "nascimento" e"morte"; e isso só acabará quando o sol esgotar toda sua energia cósmica e apagar-se definitivamente. Nesse momento toda a vida, que depende dele, simplesmente deixará de existir. 
                    Encarnação é inevitavelmente dependente de matéria (minerais e água). Já a energia cósmica é pura e invisível, e  por si só não pode possuir carne ou matéria. Pode apenas transmitir "energia vital" a um novo corpo de acaba de nascer. 
                    As religiões e outras doutrinas acreditam, não por provas científicas, mas sim por imaginação, que a energia (que chamam de alma ou espírito) reencarna em outros seres que nascem. Mas a verdadeira reencarnação acontece com a transmissão genética de um ser para seus descendentes.  Portanto, cada ser que existe é a reencarnação de todos os antepassados dos quais possui algum vestígio de genoma. Isso acontece não somente com os animais (entre eles o homem), mas também com todas as plantas e vegetais que existe.
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 Nicéas Romeo Zanchett 

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