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sábado, 27 de abril de 2013

A IMORTALIDADE DA ALMA

A IMORTALIDADE DA ALMA
       O homem é o palco de duas categorias de fenômenos diferentes: a material que se pode medir quantitativamente com o seu funcionamento fisiológico - alimentação, digestão, circulação sanguínea, etc. ; a espiritual com outros qualitativos, perceptíveis somente à consciência, como a alegria, o pensamento, o remorso, a volição. De forma que temos que admitir que o homem é composto de duas substâncias incompletas, essencialmente ordenadas uma para a outra, mas distintas. A primeira é extensa, divisível e palpável, substrato dos fenômenos fisiológicos, o corpo;  a segunda é simples, mas perceptível unicamente pela consciência, a alma. 
        O corpo é múltiplo, isto é, composto e, por conseguinte, divisível; renova-se sem cessar; é material. 
        A alma é essencialmente una, e portanto simples; é sempre idêntica a si mesma; é espiritual porque existe independentemente da matéria e das condições da matéria no ser e no operar.
        Apesar da alma estar substancialmente unida ao corpo, e depender do concurso direto do organismo para suas operações sensitivas; e apesar das faculdades superiores necessitarem das faculdades sensitivas, e por conseguinte, suportarem também certa influência direta dos órgãos - que são materiais - é intrinsecamente independente do corpo nas funções intelectuais, porque ela pensa e tem seu próprio querer sem auxílio dos órgãos. Portanto, a alma não está completamente imersa na matéria, que é independente dela sob diversos aspectos, e que por conseguinte é verdadeiramente espiritual. 
         A consciência atesta-nos que nos meios dos múltiplos fenômenos que experimentamos, o sujeito "EU", que os experimenta ou os produz, não desaparece com cada um deles para ceder lugar a outro; diferentemente da matéria, a alma sobrevive aos seus atos e às suas modificações. O "Eu" permanece idêntico em todos os momentos de sua duração; hoje é o mesmo que era ontem e assim será amanhã. É a alma que nos permite recordarmos do passado. 
         Todo o nosso organismo está em permanente renovação. No passado se julgava que essa renovação se dava ao longo de sete anos. As experiências do pesquisador Flourens provaram que a renovação do corpo era obra de alguns meses. Pensava-se que era parcial, hoje sabe-se que é integral. Sabemos também que nenhuma parte superficial ou profunda, mole ou resistente do organismo escapa a essa renovação. 
          O nosso sentimento de responsabilidade é também uma prova de identidade da alma. Sentimo-nos responsáveis, temos remorsos e arrependimentos duma má ação cometida a tempos atrás. Ora, só nos sentimos responsáveis ou arrependidos pelo mal cometido por nós mesmos e nunca pelos males feitos pelos outros. E isto é a prova de que o "Eu" - alma -  permanece idêntico a si mesmo. 
          Todo o homem só tem uma alma; é ela que pensa sente e quer. Pela mesma razão e do mesmo modo imediato, a consciência percebe todos os fenômenos psicológicos, e atribui-os ao mesmo "Eu"; é por essa razão que dizemos: o meu pensamento, a minha dor, o meu sentimento, a minha decisão. Portanto a nossa alma forma idéias e a ideia é imaterial. Da mesma maneira, a inteligência, faculdade do pensamento, deve ser imaterial, porque é a alma que opera pela inteligência e, assim sendo, é imaterial pela mesma razão. 
          A lei fundamental da matéria é o determinismo; é absolutamente indiferente para o repouso ou movimento. A alma, ao contrário, é livre e tem faculdade de se mover a si mesma, de querer operar ou não operar, de resistir ou ceder aos impulsos da sensibilidade ou das ideias; não está submetida às leis da matéria como o corpo, e sobre este aspecto é também evidentemente espiritual. 
         O espirito não é matéria em via de progresso como pretende o materialismo; a matéria, por sua vez, não é espírito apagado ou inteligência adormecida, como afirma o espiritualismo monístico; os seus atributos, por serem contraditoriamente  opostos, formam, por assim dizer, os dois polos do ser humano, e nenhuma evolução seria capaz de preencher o abismo que as separa. O espiritualismo dualista admite, com razão, duas substâncias incompletas irredutivelmente distintas, embora intimamente unidas, no ser humano. 
          Podemos dizer que a alma, pelo fato de ser simples, idêntica e espiritual, é necessariamente distinta do corpo, que é composto mutável e material. De forma que podemos concluir que a alma é imortal e, diferentemente da matéria, é intransferível.
          A imortalidade consiste na sobrevivência substancial e pessoal do "EU", na identidade permanente da consciência idêntica, isto é, da alma que conserva as suas faculdades de conhecer e amar, sem as quais não há felicidade humana.
           O corpo, que se compõe de elementos heterogêneos , desintegra-se e dissolve-se naturalmente tão logo que se separa do seu princípio de unidade, da sua forma substancial que é a alma. Já a alma, ao contrário, sendo metafisicamente simples e espiritual, não pode decompor-se nem desintegrar-se como acontece com o corpo que é matéria numa determinada forma de composição - no caso - o corpo humano. 
           Em relação à questão moral é fácil observar que neste mundo nem a natureza, nem a sociedade, nem a própria consciência, que é o juiz de cada um, dispõem de sanções suficientes para recompensar plenamente a virtude ou punir adequadamente  o vício; é, pois, necessário que haja outra vida, onde a justiça seja plenamente satisfeita e a ordem definitivamente restabelecida. 
           A ganância das pessoas leva-as a aspirar bens limitados da terra. Já os sábios aspiram  um objeto infinito, uma verdade, beleza e bondades absolutas, cuja posse permite ser perfeitamente felizes. Por mais progressos que façam no conhecimento da verdade, no amor da beleza, na prática do bem, nunca se sentem plenamente satisfeitos. Quanto mais progridem  tanto mais se ascendem os seus desejos, mais aumentam suas exigências; isto prova que nossas faculdades superiores possuem capacidade ilimitada que não se pode satisfazer completamente fora deste bem infinito, que não é outro senão o mesmo Deus  Cósmico Universal, do qual cada um de nós é uma pequena parte. 
           Se há um Deus sábio e justo deve haver outra vida onde se restabeleça o equilíbrio entre o que queremos e o que podemos, uma vida onde sejamos perfeitamente felizes. Um Deus sábio e justo não exige rituais e recompensas, não precisa de intermediários, nem impõe violentamente a sua criatura para um fim que jamais poderemos alcançar.
           Nossa vida na terra é um sopro passageiro. Não podemos gozar plenamente dos bens materiais que possuímos se a cada momento receamos perdê-los; esta incerteza é tanto mais pungente quanto mais precioso é o bem possuído. A duração ilimitada é, evidentemente, que constitui o elemento essencial da felicidade completa e, portanto, não está aqui. Está além da vida. 
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Nicéas Romeo Zanchett
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segunda-feira, 22 de abril de 2013

O JULGAMENTO DE SÓCRATES - Por Platão

O JULGAMENTO DE SÓCRATES
Por Platão
CAPÍTULO I
Trata-se de um documento onde Platão descreve o dialogo entre Sócrates e seus interrogadores Euthifron e Meleto. Foi traduzido do grego. Embora todo o julgamento tenha sido longo, é muito interessante conhecer o pensamento do grande mestre Sócrates ditas com suas próprias palavra e aqui transcritas por seu discípulo maior, Platão. -  Nicéas Romeo Zanchett

Sócrates, na véspera do seu julgamento por impiedade, quer mostrar que as noções correntes acerca da piedade ou impiedade, da santidade ou da ausência de santidade, não suportam uma crítica  rigorosa. 



      Euthifron - Que estás tu fazendo aqui no pórtico do archonte, Sócrates? Porque deixaste o teu lugar de costume no Liceu? Não tens, com certeza, como eu, uma ação a julgar perante ele. 
       Sócrates - Não; os atenienses, Euthifron, chamam-lhe uma acusação e não uma ação.
       Euthifron - O que? queres dizer que alguém te fez qualquer acusação? Porque não posso crer que sejas tu quem a faz a alguém. 
       Sócrates -  Por certo que não sou eu quem a faz. 
       Euthifron - Há então alguém que te acuse? 
       Sócrates -  Há. 
       Euthifron - Quem é?
       Sócrates - Mal o conheço, Euthifron; deve ser um rapaz desconhecido. O seu nome porém é Meleto, e o seu demos Pitthis; vê lá se te lembras de algum Meleto daquele demos - um homem de nariz aquilino, , cabelo comprido e pouca barba. 
       Euthifron -  Não o conheço, Sócrates. Mas, dize-me, por que razão te acusa ele? 
       Sócrates - Por que razão? Não é por pouco parece-me. Não é pouca coisa, para que um rapaz tão novo já tenha formado uma opinião sobre um assunto tão importante. Porque ele diz que sabe como se corrompe a juventude e quem a corrompe. Deve ser um sábio, que, vendo a minha ignorância, me vai acusar perante a cidade, como uma mãe, de corromper os seus amigos. Parece-me ser o único homem que principia por onde deve em matéria de reformas políticas; quero dizer, cujo primeiro cuidado é tornar a juventude quanto possível perfeita, assim como um bom lavrador cuidará primeiro das suas plantas mais novas, e, começa por correr conosco que, diz ele, corrompemos os jovens à medida que eles crescem; e depois de ter feito isso, daria naturalmente a sua atenção aos homens mais velhos, tornando-se assim um benemérito do público. É o que há a a esperar, visto que deste modo começa. 
      Euthifron - Oxalá assim seja, Sócrates, mas duvido muito. Parece que tentando fazer-te mal, o que ele está fazendo é atirando um golpe ao coração do Estado.  Mas, dize-me, de que modo afirma ele que tu corrompes a juventude? 
       Sócrates - De um modo que o princípio parece estranho  meu amigo. Diz que eu sou um fazedor de deuses; de mode que me acusa, segundo ele diz, de inventar novos deuses e não acreditar nos antigos. 
        Euthifron - Compreendo, Sócrates. É porque dizer que tens um signo divino. De modo que te acusa por introduzires coisas novas na religião; e vai ao tribunal sabendo que esses assuntos facilmente se podem  torcer perante a multidão, e portanto tencionando caluniar-te ali. Ora, de mim se riem eles como se estivesse doido quando falo de coisas divinas na assembléia e lhes vaticino o que vai acontecer; e contudo, nuca vaticínio meu saiu errado. Mas invejam os que são como nós. Convém que não lhes liguemos importância; devemos fazer-lhes frente sem temor. 
       Sócrates - Meu caro Euthifron, o escárnio deles não é coisa muito séria. Os atenienses,    parece-me, podem ter um homem por inteligente sem lhe ligar muita atenção, logo que não julguem que ele comunica a sua sabedoria aos outros. Mas logo que lhes parece que ele torna inteligentes a outros, zangam-se, que seja por inveja, como tu dizes, quer por qualquer outra razão. 
       Euthifron - Não tenho grande empenho em conhecera disposição deles para comigo neste assunto. 
       Sócrates - Não, talvez pensem que tu, como te mostras muito pouco, não tens grande empenho em comunicar o que sabes  aos outros; mas receio que de mim pensem o contrário; pois o meu amor à humanidade faz-me falar a todos que encontro, livremente e sem reservas,e sem remuneração; de fato, se eu pudesse, de boa vontade pagaria para me escutarem. Se pois, como acabo de dizer, eles se dispusessem apenas a rir de mim, como dizes que de ti riem, eu não acharia desagradável passar o dia desse modo, rindo e chalaceando no tribunal. Mas se vão encarar o caso a sério, então só profetas como tu podem dizer como isto acabará.
       Euthifron - Bem, Sócrates, o mais natural é que nada aconteça. É muito provável que sejas bem sucedido no teu julgamento, como creio que serei no meu. 
       Sócrates - E que ação é essa tua, Euthifron? És queixoso ou réu?
       Euthifron - Queixoso. 
       Sócrates - Contra quem? 
       Euthifron - Contra um homem que me julgam doido por levar ao tribunal. 
       Sócrates - O que? tem asas para voar? 
       Euthifron - Está muito longe de poder voar; é um homem muito velho. 
       Sócrates - Quem é ele? 
       Euthifron - Meu pai. 
        (Então, tendo Euthifron declarado que acusava o pai por ter morto um escravo, Sócrates pede-lhe para definir a piedade. Euthifron embrulha-se, e Sócrates faz-lhe notar que não lhe respondeu a pergunta. Não lhe pedira um exemplo particular de santidade. O que quer saber é o que faz santas todas as ações santas. Euthifron por fim define a santidade como sendo "aquilo que agrada aos deuses". Mas Sócrates, por uma série de perguntas em aparências inocentes, obriga Euthifron a admitir o absurdo da sua definição. Duas outras definições que Euthifron dá não tem melhor sorte, e ele passa dum estado de superioridade complacente a um de absoluta confusão e de amor próprio ofendido.) 
        Sócrates - Temos então que começar, e analisar o que seja santidade. Não tenciono desistir antes de saber. Não me julgues indigno; dá toda a atenção ao assunto e desta vez diz-me a verdade. Porque se alguém a sabe, és tu; e tu és um Proteu que não devo largar antes que mo tenhas dito. É impossível que pensasses em acusar o teu velho pai pelo assassinato de um trabalhador se não soubesses exatamente o que é a santidade e a ausência dela. Terias receado arriscar-te à cólera dos deuses, no caso de ser a tua má ação, e terias receado a opinião dos homens. Mas agora tenho por certo que sabes exatamente o que é santo e o que não é; por isso diz-mo, meu excelente Euthifron, e não me ocultes o que julgas que o é. 
         Euthifron- Outra vez será, Sócrates; agora tenho pressa e são horas de ir andando. 
         Sócrates - O que fazes, meu amigo? Vais-te embora e destróis todas as minhas esperanças de aprender de ti o que é santo e o que não é, e assim escapar a Meleto? Queria explicar-lhe que agora que Euthifron me fez saber das coisas divinas, nunca mais, na minha ignorância, falarei delas precipitadamente, nem nelas farei inovações; e depois iria prometer-lhe viver uma vida melhor no futuro. 
                                                       

CAPITULO II
DEFESA DE SÓCRATES PERANTE OS ATENIENSES
       Sócrates - Não sei qual a impressão, atenienses, que os meus acusadores vos causaram; quanto a mim, sei que quase me fizeram esquecer quem sou, tão plausíveis foram as suas razões; e contudo, quase que não disseram uma palavra que fosse verdade. Mas de todas as mentiras que disseram, a que mais me assombrou foi a de vos dizerem que sou um belo orador e que vos deveis acautelar para que não vos induza em erro. Achei que era grande a audácia da parte deles o falar assim sem se envergonharem; porque desde que eu abrisse a boca ficará reputada aquela mentira, e provaria que de modo algum posso ser considerado um belo orador; a não ser, é certo, que por belo orador entendam um homem que diz a verdade. Se é isso que querem dizer, concordo que sou muito melhor orador do que eles. Os meus acusadores, repito, pouco ou nada disseram de verdade; mas sim de mim ouvireis a verdade completa. Não escutareis decerto, atenienses, um discurso brilhante, engalanado, como o deles, com palavras e frases. Dir-vos-ei  o que tenho a dizer, sem preparação, e nas palavras que primeiro me ocorrerem, porque creio que a minha causa é justa; de modo que nenhum de vós deve esperar outra coisa. Na verdade, meus amigos, mal me ficaria, na minha idade, vir ante vós como um jovem com as suas mentiras especiosas. Mas há uma coisa, atenienses, que com instância e sinceridade vos peço. Não vos admireis nem me interrompais se na minha defesa eu falar da mesma maneira em que costumo falar no mercado, às mesas dos cambistas, onde muitos de vós me tem escutado,e noutros pontos. A verdade é esta. Tenho mais de setenta anos e esta é a primeira vez que compareço ante um tribunal; de modo que o vosso modo de falar me é inteiramente estranho. Se eu fora realmente estrangeiro perdoar-me-ias, por falar na língua e segundo o costume da minha pátria; e agora peço-vos que me concedais aquilo a que creio ter direito. Nãos vos importe o estilo do meu discurso- será bom ou mau - mas dai toda a vossa atenção à questão. O que eu digo é justo ou não é? Isso é que se faz um bom juiz, como falar a verdade faz um bom advogado.
         Tenho a defender-me, atenienses, primeiro, das intrigas falsas queixas dos meus antigos acusadores, e depois das queixas mais recentes dos meus acusadores atuais. Porque muitos homens há que muito tempo me tem tornado conhecido de vós, e que não tem dito uma palavra de verdade; e temo-os mais do que temo Anito e os seus companheiros, por formidáveis que sejam. Porque, meus amigos, os outros são ainda mais formidáveis; porquanto desde crianças que muitos de vós são influenciados por eles, que tem sido mais persistentes que os outros em tentar persuadir-vos que há um Sócrates, homem sábio, que raciocina acerca dos céus e analisa o que possa haver debaixo da terra, e que pode "fazer o pior parecer melhor". 
        Os homens que espalham esse boato, atenienses, são os acusadores que temo; porque os seus ouvintes julgam que os indivíduos que se ocupam dessas coisas nunca acreditam nos deuses.
E eles são muitos, e há muito tempo que me atacam; e a vós falaram disto quando ereis de idade em que sem hesitação dáveis crédito ao que diziam; porque ereis todos novos e muitos de vós crianças; e não havia quem lhes respondesse quando me atacavam. E o que nisto tudo é mais estranho é que nem mesmo sei bem os seus nomes; não vos posso dizer quem são, exceto no caso dos poetas cômicos. 
       Mas todos os outros que tem tentado malquistar-vos comigo, por motivos de inveja e despeito, e às vezes, talvez, por convicção, são os inimigos a quem é mais difícil combater.  Porque não posso chamar qualquer deles aqui ao tribunal para o interrogar; tenho, por assim dizer, que lutar com sombras em defesa própria, e fazer perguntas a que não há ninguém para responder. Peço-vos portanto, que acrediteis que, como digo, tenho sido atacado por duas classes de acusadores - primeiro, por Meleto e os seus amigos, e depois por esses mais antigos de que vos falei. E se me dais licença defender-me-ei primeiro das queixas dos meus velhos inimigos; porque foram as acusações deles que primeiro ouvistes, e foram muito mais persistentes do que são os meus acusadores atuais.  
       Tenho que me defender, ateniense, e de, no pouco tempo que me é dado, tentar remover o preconceito que contra mim de ha muito tendes. 
       Recomecemos pois e vejamos qual a acusação que deu origem ao preconceito que há contra mim, e que foi aquela de que se valeu Meleto ao formular a sua queixa. Qual é a calúnia que a meu respeito os meus inimigos tem espalhado? Suporei que me estão acusando formalmente e lendo a sua queixa. Ressoaria pouco mais ou menos assim: "Sócrates é um criminoso, que se ocupa de investigar o que se passa debaixo da terra, e no céu, e que faz o pior parecer melhor, e que ensina aos outros estas coisas." 
        É isto o que dizem; e na Comédia de Aristófanes vós próprios vistes um homem chamado Sócrates andando à roda dentro de um cesto pendurado, e dizendo que anda no ar, assim como muitos disparates acerca de assuntos de que não percebo nem pouco nem muito, mas nada. De modo algum quero depreciar essa ciência se há alguém que a possui. Espero que Meleto nunca me poderia acusar por causa disso. Mas a verdade é, atenienses, que não tenho nada que ver com esses assuntos, e vós sois quase todos testemunhas disso. Peço a todos vós que me tem ouvido falar, e são muitos, que informem os outros e lhes digam se alguma vez me ouviram conversar muito ou pouco, a respeito desses assuntos. Isso mostrar-vos-á que as ou coisas que vulgarmente de mim contam são falsas como esta.  
        (Acusam-no de ser ao mesmo tempo um sofista mau que exige dinheiro por ensinar, e um filosofo natural. Faz a distinção entre estas duas coisas e mostra que não é nenhuma delas. Não é popular porque se impôs o dever de examinar os homens, em vista de uma certa resposta dada pelo oráculo de Delfos, "que ele era o mais sábio dos homens".Descreve o como examinou os homens para avaliar da verdade do oráculo. Isto trouxe-lhe muitos ódios; os homens não gostam que lhes provem que são ignorantes quando se julgam sábios, de modo que lhe chamam um sofista e muitas outras coisas más, porque desfaz a sua pretensão à sabedoria.) 
       O que tenho dito deve bastar para me defender contra as acusações dos meus primeiros inimigos. Tentarei agora defender-me contra Meleto, aquele "bom patriota", como ele próprio se designa, e os meus acusadores mais recentes. Suponhamos que são uma nova classe de queixosos, e leiamos a sua queixa como no caso dos outros fizemos. Reza assim: diz ele que Sócrates é um criminoso que corrompe a juventude e que não acredita nos deuses da religião da cidade, mas em outras e novas divindades. A acusação é esta.
        Examinemos separadamente cada detalhe dela. Meleto diz que faço uma má ação corrompendo a juventude; mas afirmo, atenienses, que a má ação é a dele; porque está fazendo uma partida solene, arrastando homens aos tribunais, de animo leve, e afetando ter grande zelo e interesse em assuntos a que nunca deu um momento de atenção. E agora tentarei provar-vos que assim é. 
       Anda cá Meleto. Não é fato que julgas muito importante  que os jovens sejam quanto possível excelentes? 
       Meleto - É. 
       Sócrates - Diz então aos juízes quem é que os aperfeiçoa. Interessas-te tanto pelo assunto que não podes deixar  de o saber.  Acusas-me e trazes-me ao tribunal porque, como dizes, descobriste que sou quem corrompe a juventude. Ora, agora dize aos juízes quem a aperfeiçoa. Bem vez, Meleto, que nada tens a dizer; calas-te. Mas não achas isso uma coisa escandalosa? Não prova o teu silêncio concludentemente que tenho razão, e que nunca deste ao assunto um momento de atenção? Vamos dize-nos quem torna os mancebos melhores cidadãos?   
       Meleto - As leis. 
       Sócrates - Meu caro senhor, não perguntei isso. Qual o homem que aperfeiçoa a juventude, que aliás já tem conhecimento das leis? 
      Meleto - Os juízes aqui, Sócrates. 
      Sócrates - Que queres tu dizer, Meleto? Podem eles educar os jovens e aperfeiçoá-los? 
      Meleto - Por cento que podem. 
      Sócrates - Todos eles? ou só alguns?  
      Meleto - Todos eles. 
      Sócrates _ Por Juno, a notícia é boa! Há uma grande abundância de benfeitores! E os ouvintes aqui, aperfeiçoam-nos ou não? 
      Meleto - Aperfeiçoam. 
      Sócrates - E os senadores? 
      Meleto - Também. 
      Sócrates - Então Meleto, são os membros da assembléia quem corrompe a juventude? ou também a aperfeiçoam? 
      Meleto - Também a aperfeiçoam. 
      Sócrates - Então todos os atenienses, a não ser eu, fazem dos jovens bons cidadãos, ao que parece; e só eu os corrompo. É isso que queres dizer? 
      Meleto - Por certo; é isso que quero dizer. 
      Sócrates - Descobriste que sou um homem desgraçadíssimo. Ora, dize-me: julgas, por exemplo, que o mesmo acontece com cavalos? Haveria um só homem que lhes fizesse mal, enquanto todos os outros os aperfeiçoam? Não é certo, ao contrário, que é um só homem, ou muito poucos - a saber, os que entendem de cavalos - que os podem aperfeiçoar; ao passo que a maioria dos homens lhes faz mal, se os usa, e se lida com eles? Não acontece o me, Meleto, tanto com cavalo como com qualquer outro animal? Claro que acontece, que tu e Anito digam que sim ou que não. E os jovens serial de certo gente muito feliz se só um homem os corrompesse e todos os outros lhes fizessem bem.  A verdade é, Mileto, que acabas de provar completamente que nunca em tua vida pensaste na juventude. É claro, visto o que tu próprio acabas de dizer, que não te interessas absolutamente nada pelos assuntos porque me acusas.  
        (prova ser absurdo dizer-se que ele corrompe a juventude propositadamente, e se é sem o querer fazer que a corrompe, a lei não autoriza Meleto a acusá-lo por culpa involuntária. Com respeito à acusação de ensinar aos jovens a não crer nos deuses da cidade, submete Meleto a um interrogatório e fá-lo contradizer-se várias vezes).
         Mas na verdade, atenienses, não creio ser preciso dizer muito para provar que não cometi o crime de que Meleto me acusa. O que eu disse já basta para provar. Mas repito, é absolutamente certo, como já vos disse, que me tenho tornado pouco popular e feito muitos inimigos. E é isso que causaria a minha condenação, se me condenassem; não Meleto nem Anito, mas o preconceito e a má vontade da multidão. Ela tem destruído muito boa gente antes de mim, e depois de mim muita destruirá ainda. Não haja medo de que eu seja a última vitima. 
        Haverá talvez quem dissesse: "não te envergonhas, Sócrates, de te entregares a assuntos que agora provavelmente causarão a tua morte?" E eu com justiça lhes responderia: "meu amigo, se julgas que um homem de algum valor deve calcular antes de agir as probabilidades de vida e de morte, ou que deve pensar em qualquer coisa que não seja se está agindo bem ou mal, ou como agiria um homem bom ou um mau, erras completamente." Na tua opinião,os semi-deuses que morreram em Troia deviam ser homens de fraco valor, e entre eles o filho de Thetis, que não pensou no perigo quando a alternativa era a infâmia. Porque, quando sua mãe, uma deusa, se lhe dirigiu, quando ele ardia por matar Heitor, suponhamos desse modo: "Meu filho, se vingares, matando Heitor, a morte do teu companheiro Patroclo, morrerás também porque o destino espera-te logo depois da morte de Heitor", ouviu o que ela disse, mas desdenhou o perigo e a morte; mais receava viver como um covarde não vingando o seu amigo. "Deixai que eu castigue o malfeitor e morra logo depois" disse ele, "para que não permaneça aqui, ao pé dos navios, desdenhado dos homens e demais sobre a terra." Julgais acaso que ele pensou no perigo ou na morte? Porque isto, atenienses, creio ser verdade: onde quer que seja o posto dum homem, quer livremente o tenha escolhido, quer ali tenha sido colocado pelo seu comandante, é seu dever ficar ali e fazer face ao perigo sem pensar na morte, ou em qualquer outra coisa que não seja a infâmia. 
       Quando os generais que escolhestes para me comandar me colocaram, atenienses, no meu posto em Potidea (colina grega)  e em Anfípolis e em Délio, fiquei onde me colocaram, e corri o risco de morte como os outros homens; e seria agora bem estranho da minha parte se deserdasse do meu posto  por medo da morte ou de qualquer outra coisa, quando Deus me mandou, como estou convencido que fiz, levar a minha vida a procurar a ciência e a examinar-me a mim e aos outros. Seria na verdade estranho; e então com justiça me poderiam acusar de não acreditar nos deuses; porque teria desobedecido ao oráculo, temido a morte, e julgado ser sábio quando não o era. Porque temer a morte, meus amigos, é simplesmente julgarmo-nos sábios sem o ser, porque é julgar que sabemos o que não sabemos. Ao que sabemos, a morte pode ser o maior bem que nos possa acontecer: mas tememo-la como se soubéssemos perfeitamente que é maior dos males. E o que é isto senão aquela vergonhosa ignorância que consiste em julgar que sabemos o que não sabemos? Neste assunto também, meus amigos, talvez eu seja diferente da maioria da humanidade; e se eu chegasse a pretender que sou mais sábio do que os outros, seria por não julgar ter conhecimento exato do outro mundo, quando, com efeito, o não tenho. Mas sei perfeitamente que é mau e baixo praticar o mal e desobedecer a um superior, seja ele um homem ou um deus. E nuca praticarei o que julgar ser o mal, nem temerei o que, ao que sei, pode realmente ser um bem. De modo que, mesmo que me absolvêsseis, não escutando o argumento de Anito de que se eu fora absolvido nem devia então ter sido julgado, e que, sendo o caso como é, tendes obrigação de me condenar à morte porque, como ele diz, se eu escapar todos os vossos filhos ficarão de todo corruptos por fazer  o que lhes ensina Sócrates; se pois me dissésseis,  "Sócrates, desta vez não atenderemos ao Anito; deixar-te-emos  ir em liberdade; mas com a condição de que abandonarás as tuas investigações e a tua filosofia; se continuares a seguir esses estudos, morrerás"; se me oferessesseis, repito, absolver-me com esta condição, 
responder-vos-ia : "Atenienses, tenho-vos o maior afeto e consideração; mas antes obedecerei a Deus do que a vós; enquanto tiver vida e saúde não abandonarei a filosofia, nem deixarei de vos aconselhar e de declarar a verdade a todos vós que encontrar, dizendo, como é meu costume: Meu caro amigo,és um cidadão de Atenas, grande cidade e famosa pela sua ciência e inteligência; não te envergonhas de dar tanta atenção ao dinheiro, à reputação, e à honra? Por que não cuidas ou pensas na ciência, na verdade e na perfeição da tua alma? "
        E se ele contestar estas palavras que realmente se importa com estas coisas, não o abandonarei imediatamente afastando-me; pararei, e submete-lo-ei a um interrogatório; e se julgar que não tem virtude, com quanto diga que tem, repreende-lo-ei por dar o menor valor às coisas mais importantes e o maior às coisas que são de menos monta. Isto farei a todos a quem encontrar, novos ou velhos, cidadãos ou estranhos; mas especialmente aos cidadãos, porque há entre mim e eles mais parecença. 
         Porque, bom é que saibas, Deus mandou-me fazer isto. Porque gasto a minha vida andando dum lado para o outro, persuadindo-vos a todos a dar o vosso primeiro e principal cuidado à perfeição das vossas almas, e a não pensar, antes de o terdes feito, nos vossos corpos ou no vosso dinheiro; e dizendo-vos que não é a virtude que vem da riqueza, mas sim a riqueza, e tudo o mais quanto de bom os homens tem, quer pública, quer particularmente, que vem da virtude. Se eu portanto corrompo a juventude ensinando-lhe isto, o mal que faço é grande; mas se há alguém que diga que ensino qualquer outra coisa, falseia a verdade. E portanto, atenienses, atendei a Anito ou não o atendais; absolvei-me ou não me absolvais; tende porém a certeza que não alterarei o meu modo de vida; não,nem que por isso tenha de morrer muitas vezes. 
        (Se os atenienses o condenarem à morte, farão mais mal a si mesmos do que a ele. A cidade é como um grande e belo cavalo tornado indolente pelo seu tamanho e precisando ser espicaçado. Ele foi a mosca mandada por Deus para o atacar. Explica porque não tem tomado parte na vida pública. Se o tivesse feito teria perecido sem vantagem para a cidade, porque ninguém o podia obrigar a praticar o mal por medo da morte. A sua conduta em duas ocasiões prova isto). 
         Bem, meus amigos, é isto o que, com talvez outras coisas parecidas, eu tenho a alegar em minha defesa. Haverá entre vós alguém que se recorde de como, mesmo num julgamento menos importante do que este, pediu e implorou aos juízes com muitas lágrimas para o absolverem, e como trouxe os filhos e muitos amigos e parentes para o tribunal, para sensibilizar; e agora vede que nada  disto faço, conquanto esteja o que julgam ser o maior dos perigos. Talvez isso lhe dê uma opinião desfavorável a mau respeito; pode ser que se encolerize e dê nesse estado o seu voto.  Se isso acontecesse a qualquer de vós - não suponho que aconteça, mas se assim fosse - parece-me que  responderia razoavelmente, dizendo: Meu amigo, tenho parentes também porque, como diz Homero, "não nasci de paus ou de pedras, mas de uma mulher"; de modo que, atenienses, tenho parentes, e tenho três filhos, um deles já rapaz, e os outros dois ainda crianças. E contudo não trarei nenhum deles perante vós, para que me absolveis. 
         E porque não faço nada disto? Não é por arrogância, atenienses, nem porque vos tenha em pouca conta; se saberei ou não encarar a morte com coragem é outro assunto; mas para meu crédito, para o vosso crédito e para o crédito da nossa cidade, não acho bem, na minha idade e com o meu nome, fazer qualquer coisa desse gênero. Com razão ou sem ela está muita gente persuadida de que de qualquer maneira difere Sócrates do resto da humanidade. E será uma coisa vergonhosa se aqueles de vós de quem se pensa que se distinguem pela sabedoria ou pela coragem ou por qualquer outra virtude, procederem desse modo. Muitas vezes tenho visto homens com boa reputação proceder de modo estranho no seu julgamento, como se julgassem uma sina terrível o serem mortos, e como se esperassem viver eternamente se vós não os condenásseis à morte. Estes homens parecem-me redundar em descrédito da cidade; pois qualquer estrangeiro poderia supor que os atenienses melhores e mais eminentes, que são escolhidos pelos seus concidadãos para exercerem cargos públicos e para outras honras, não passam de mulheres. Aqueles de vós atenienses, que tem alguma  reputação, não devem fazer estas coisas; e não deveis deixar que as façamos; deveis mostrar que sereis muito mais impiedosos para aqueles que tornam a cidade ridícula por estas cenas desgraçadas, do que para os que se conservam sossegados.
          Mas à parte  a questão dos crédito, meus amigos, não me parece bem que se peça ao juiz para nos absolver, e desse modo se escape à condenação.  É nosso dever convencer-lhe o espírito por meio de raciocínios. Ele não está ali para oferecer justiça aos amigos, mas para pronunciar o julgamento; e jurou não favorecer alguém a quem deseje favorecer, mas decidir tudo de acordo com a lei. E portanto, não devemos ensiná-los a perjurar; e não deveis permitir que lho ensinem, porque então nem eles nem nós agiríamos bem. Portanto, atenienses, não espereis de mim que faça estas coisas, porque creio que não são nem boas, nem justas, nem santas; e muito especialmente não espereis que as faça hoje, quando Meleto me acusa de blasfêmia. Porque se eu vencesse e conseguisse pelos meus pedidos que quebrásseis o vosso juramento, claramente vos estaria ensinando que não há deuses; estaria simplesmente pela minha defesa acusando-me de não acreditar neles. Mas, atenienses, isso está longe de ser a verdade. Creio nos deuses, e como não crê nenhum nenhum dos meus acusadores; e a vós e a Deus entrego a minha causa para que seja decidida como melhor for para vós e para mim. 
           ( Dão o crime como provado por 281 votos contra 220). 
          Por muitas razões me não apoquenta a decisão que acabaste de dar, atenienses. Esperava que decidísseis contra mim; e o que mais me admira não é isso, mas a votação. Deveras não esperava que a maioria contra mim fosse tão reduzida. Mas agora vejo que se apenas 30 votos tivessem passado de um lado para o outro, eu teria escapado.
          (Meleto propõe a pena de morte. A lei permite a um criminoso propor uma alternativa. Como é um bem-feitor público, Sócrates pensa que devia ser mantido pelo Estado no Pritaneu como um vencedor olímpico. Falando  a sério, porque proporia ele uma pena? Tem a certeza de que não fez mal nenhum. Não sabe se a morte é um bem ou um mal. Porque proporia então uma coisa que sabe que é um mal? É certo que o pagamento de uma multa não seria um mal, mas o que também e certo é que não tem com que pagar; talvez possa reunir uma mina (alguns trocados) é o que propõe. Ou, se os seus amigos  quiserem, oferece trinta minas, ficando os seus amigos por fiadores). 
          (É condenado á morte) 
          Não ganhastes muito tempo, atenienses, e como prêmio disto tereis um mau nome de todos quantos queiram dizer mal da cidade, porque atirar-vos-ão à cara que condenastes Sócrates, um sábio, à morte. Porque com certeza me chamarão sábio, quer eu o seja ou não, quando vos quiserem acusar. Se tivésseis esperado um pouco, a natureza ter-vos-ia feito a vontade; porque vedes que sou um velho, bastante velho mesmo e perto da morte. Não estou falando a todos vós, mas só àqueles que votaram pela minha morte. E agora é a eles que me continuo a dirigir. Talvez, meus amigos, jugueis que fui derrotado por falha de argumentos com que vos poderia persuadir a absolver-me, dado que julgasse próprio fazer ou dizer qualquer coisa para escapar ao castigo.
         Não é assim. Fui derrotado porque falho, não de argumentos, mas de audácia e arrojo; porque não quis defender-me ante vós como quereis ouvir-me defender-me, nem implorar-vos chorando ou gemendo, ou dizer ou fazer muitas outras coisas que tenho por indignas de mim, mas a que estais acostumados por outros. Mas eu, quando me defendia, poderei em que não devia fazer nada de pouco viril por causa do perigo que corria, e não mudei de atitude desde então. Prefiro ter-me defendido como defendi e morrer, do que ter-me defendido como quereis e viver. Tanto num tribunal como numa guerra há coisas que nem a mim nem a qualquer outro é lícito fazer para escapar à morte. Na batalha um homem muitas vezes vê que pode pelo menos escapar à morte, abandonando as armas e ajoelhando aos pés do inimigo para pedir que lhe poupe a vida. E há muitas outras maneiras de escapar à morte em todos os perigos, para quem não tem escrúpulos que o impeçam de dizer ou fazer qualquer coisa.   
        Mas, meus amigos, creio ser coisa muito mais difícil  fugir à maldade do que à morte, porque a maldade é mais rápida que a morte. Ora, eu que sou velho e tardo, fui apanhado pela perseguidora mais lenta, e os meus acusadores que são inteligentes e velozes, foram apanhados pela perseguidora mais rápida, que é a maldade. E agora irei daqui condenado á morte; e eles irão daqui condenados pela verdade a receber a pena da maldade e do mal.  E estou por este prêmio assim como eles. Talvez fosse bom que isto assim se desse; e creio ter-se dado com justiça. 
         E agora quero vaticinar perante vós, atenienses, que me condenastes.  Porque vou morrer,  e essa é a hora em que os homens mais tem poder profético. E vaticino a vós, que me condenastes á morte, que um castigo muito mais severo do que o que me infligistes inevitavelmente cairá sobre vós logo que eu estiver morto. Fizestes isto pensando que não teríeis que dar conta das vossas vidas. Mas digo eu que o resultado será muito diferente. Haverá mais homens que vos pedirão contas, homens que retive e que vós não vistes. E eles ser-vos-ão mais duros do que eu tenho sido, porque serão mais novos, e encolerizar-vos-ei mais com eles. Porque se julgais evitar que os homens vos repreendam pela vossa má vida, condenando-os à morte, enganai-vos muito. Esse modo de fugir é quase impossível e não é bom. É muito melhor e muito mais fácil não fazer calar as censuras, mas tornar-vos o mais perfeitos possível.  Esta é a profecia que faço ao despedir-me de vós que me condenastes. 
           (Tendo repreendido severamente os que o condenaram, diz aos que o absolveram que estejam tranquilos. Nada de mau pode acontecer a um homem bom, quer na vida quer na morte. A morte ou é um sono eterno e sem sonhos onde nada se sente; ou uma viagem a um outro mundo melhor, onde estão os grandes homens da antiguidade. Em qualquer dos casos não é um mal, mas um bem). 
          E vós também, juízes, deveis fazer frente à morte corajosamente e ter isto por certo, que nada de mau pode acontecer a um homem bom, quer em vida quer depois da morte. A sua sorte não é descurada pelos deuses; e o que hoje me aconteceu não creio que tenha acontecido por acaso. Estou convencido de que era melhor para mim morrer agora e ficar liberto de todo o cuidado; e que foi essa a razão porque o signo nunca me mandou retroceder. De modo que mal estou zangado com os meus acusadores ou com os que me condenaram á morte. Não foi porém com este pensamento que eles me acusaram e condenaram, mas querendo fazer-me mal. De modo que por isso posso censurá-los. 
        Mas tenho um pedido a fazer-lhes. Quando meus filhos crescerem, castigai-os, meus amigos, importunai-os do mesmo modo do que eu os importunei, se virdes que eles preferem a riqueza ou outra coisa qualquer à virtude; e se eles julgarem que são alguma coisa, quando não são nada, reprendei-os como vos tenho repreendido, por não cuidarem do que deviam e por se julgarem grandes homens quando de fato não tem valor nenhum. E se fizerdes isto, eu e meus filhos teremos recebido de vós o que merecemos. 
          Mas a hora chegou, e temos de nos ir; eu para a morte, e vós para a vida. Se a vida ou a morte é melhor, sabe-o Deus, e só Deus. 

OBSERVAÇÕES FINAIS: 
     Em vida, Sócrates nos legou sua enorme sabedoria; na morte nos deu o exemplo de coragem e resignação, mas sempre salientando que a sabedoria, a virtude e a dignidade sobrevivem á ganância, ao orgulho e aos preconceitos; e só elas - virtude e sabedoria - são capazes de purificar e elevar a alma que é a razão pela qual estamos aqui.
      Chamo a atenção dos leitores para os comentários feitos por Platão nos intervalos do julgamento. Ele consegui com este escrito nos colocar dentro do tribunal, assistindo o primeiro grande crime da democracia.
       Na véspera de beber a mortífera taça de cicuta, Sócrates foi informado secretamente por seus amigos de que estava livre, porque eles haviam subornado o guarda da prisão, que abriria a porta do cárcere durante a noite. Todavia ele se recusou a fugir, alegando que, se assim fizesse, nem seus próprios amigos e discípulos acreditariam na sinceridade das suas convicções; por outro lado, não considerava a morte como o fim da vida, mas como simples transição de um para outro ambiente de existência. Quando seu mais devoto amigo, Kriton, insistiu com súplicas e lágrimas  que escapasse á morte iminente, o velho filósofo fez ver ao amigo que ninguém podia matá-lo, porque ele era imortal, porquanto o verdadeiro Sócrates era a alma e não o corpo dele, mero invólucro temporário daquela. Permaneceu sentado no cárcere aberto, e na manhã seguinte sorveu tranquilamente o veneno mortífero, que pôs fim à vida do primeiro mártir da filosofia ocidental. 
        Na filosofia ocidental, Sócrates pode ser considerado o pioneiro da ideia da imortalidade do homem; e pensando assim, podemos considerá-lo como o primeiro cristão, antes de Cristo ter nascido. 
Nicéas Romeo Zanchett 

sábado, 20 de abril de 2013

ARISTÓTELES - O GRANDE SÁBIO GREGO


ARISTÓTELES - O GRANDE SÁBIO GREGO
Por Nicéas Romeo Zanchett 
         Aristóteles, discípulo de Platão e um dos maiores sábios de todos os tempos, nasceu em 384 a.C. 
          Por mais de vinte anos Aristóteles seguiu os ensinamentos do seu mestre Platão cuja doutrina se exerce mais sobre as coisas espirituais, sobre o mundo das idéias; ao passo que Aristóteles, depois de libertar sua filosofia dos princípios do mestre, direciona seu pensamento para doutrinas que tratam principalmente da natureza e das coisas inteligíveis do mundo. Tal como seu mestre foi um grande pensador grego e costumava dar as suas lições numa escola perto de Atenas. 
          Aristóteles foi sobretudo um sábio de primeira ordem. Quiz abranger a totalidade dos conhecimentos do seu tempo, e conseguiu-o, porque naquela época isso ainda era possível. A matemática foi a única ciência, conhecida dos antigos, que ele não tratou com profundidade. As suas obras foram uma verdadeira enciclopédia  do saber humano no século IV antes de Cristo. No seu tempo, tudo o que se podia saber ele soube. E muita coisa que não se sabia, ele descobriu e ensinou. Foi o fundador da anatomia e da fisiologia comparadas.

         Foi o principal discípulo de Platão, e como tal, honrou verdadeiramente seu mestre. Mas não se limitou a repetir seu ensino; criticou-o e ultrapassou-o. Seu enorme saber, sua grande inteligência e suas lições tornaram-se tão apreciadas que rei da Macedônia  escolheu- para ser o preceptor de seu filho que mais tarde viria a ser o grande Alexandre  Magno, um dos maiores generais e mais poderosos imperadores de todos os tempos. Em Atenas fundou uma escola no Lyceu. Como mestre de Alexandre Magno - o grande, pode influenciar seu pensamento e sua trajetória política. 
           Em relação à espiritualidade, Aristóteles defendeu a ideia de um Deus, que em toda a eternidade deu movimento à matéria. Acusado de não crer na religião da sua pátria, foi obrigado abandonar a cidade e a refugiar-se na ilha de Eubéa, onde morreu em 322, provavelmente depois de ter se envenenado. 
Durante muito tempo Aristóteles foi o oráculo da filosofia, e quando, no século XVI, alguns pensadores decidiram livrar-se da sua tutela, isso correspondeu a uma verdadeira revolução. Era uma nova era que surgia no mundo. O pensamento desse homem que criou a ciência filosófica foi tão assombroso que por vinte séculos foi seguido, estudado e copiado como se fosse uma religião. 
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Nicéas Romeo Zanchett 

A ESCOLA DE PLATÃO - Por Nicéas Romeo Zanchett

A ESCOLA DE PLATÃO 
         Por volta do ano 427 a.C., em Atenas, nasceu o grande Platão. No princípio de sua vida entregou-se à poesia, mas ao ouvir Sócrates desistiu dos ensaios de sua primeira juventude, e consagrou-se  inteiramente à filosofia. Quando Sócrates foi acusado, Platão voltou-se completamente em defesa de seu mestre. Empregou todos os meios possíveis para salvá-lo, e, como último recurso, dirigiu-se ao povo. Tinha preparado um discurso em para defendê-lo, mas arrancaram-no da tribuna e lhe impuseram silêncio absoluto. Depois da condenação e morte de seu mestre, tomou o caminho do exílio e lá ficou isolado por vários anos. 
          Parcialmente recuperado da morte de Sócrates, Platão retornou à pátria e abriu sua celebre escola nos Jardins da Academus. Esses jardins tinham pertencidos  a Academo, um dos heróis gregos, e ficavam perto de Atenas. Foi do nome de seu antigo proprietário que surgiu a palavra Academia.  Ali, no meio de oliveiras e de plátanos, reunia Platão os seus alunos, dando as suas lições ao ar livre. Muitos desses discípulos eram já bastante velhos, mas entre eles havia o jovem Aristóteles, que foi também um dos maiores nomes da filosofia.  
         A partir desse momento, Platão dedicou-se exclusivamente à filosofia, professando e escrevendo até morrer aos 81 anos. Depois da sua morte, durante muitos séculos, a Academia continuou a ser  um lugar onde os filósofos partidários da doutrina de Platão faziam suas dissertações.  Entre eles sempre estava o seu discípulo preferido, Aristóteles.
          Tal como Sócrates, Platão crê que a moral é o fim último de todo o conhecimento; mas não limita o homem ao seu domínio; pelo contrário, ele penetra, por assim dizer, de moral todo o universo. Para ele também, céu e terra são produtos de um pensamento divino. O mundo em que vivemos nada mais é do que um permanente e eterno mundo de idéias. Os homens, animais e plantas não são mais do que reproduções de tipos eternos, que contém todas as perfeições que se pode encontrar em cada espécie. Em  outras palavras, a "ideia" (homem, plantas, animais) é uma perfeição absoluta em si mesmos que não se encontra nas realizações terrestres do homem. Ele já afirmava que Deus é a Ideia Suprema, o Bem Supremo. O homem  nasce com o dever de tentar assemelhar-se, ao máximo que puder, á Deus (ideia Suprema). Em Deus residem as "ideias" do verdadeiro, do belo, do bem, do grande, do poderoso, etc. O homem deve ter por fim  realizar relativamente o que Deus realiza absolutamente.  A justiça está no seio de Deus, portanto Ele é justo;  o homem não pode ser "o justo", mas pode ser "um justo".  Ser um justo, segundo todos  os sentidos desta palavra,  é o dever maior do homem e o seu próprio destino. 
        Platão é o grande mestre da filosofia idealista, isto é, de toda a filosofia que crê que as "ideias" governam o mundo.  É um dos espíritos mais assombrosos de todos os tempos e de todos os países. 
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Nicéas Romeo Zanchett 
A árvore platanus (Platanaceae) é uma planta nativa da Eurásia e da América do Norte. Típica do clima subtropical.


sexta-feira, 19 de abril de 2013

A CRIATIVIDADE DEPENDE DA LIBERDADE

Pintura de Romeo Zanchett
                                          A CRIATIVIDADE DEPENDE DA LIBERDADE
      A liberdade é a maior fonte da criatividade. A criação de algo novo, seja uma melodia, uma pintura,uma escultura ou a construção de uma frase que ninguém tenha feito antes, exige esforço criativo. Os momentos de criatividade, em que nascem novas idéias, são imprevisíveis. 
      Toda a criatividade precisa, acima de tudo,de muita motivação e vontade de alcançar uma meta. É algo que vem de dentro e frequentemente é tão frágil que pode ser facilmente anulada pelo ambiente. As forças que inspiram ou tentam estimulá-la moldam sua qualidade. A motivação intrínseca conduz à criatividade, enquanto a extrínseca pode ser prejudicial. Isto quer dizer que quando somos inspirados pelos nossos próprios interesses temos prazer e maior probabilidade de explorar novos caminhos. Nessa condição somos impelidos a correr novos riscos e assim podermos produzir algo singular e proveitoso. Já quando as metas nos são impostas por outros ou outras razões, a criatividade fica muito prejudicada. É o caso de quando somos obrigados a produzir pela simples ânsia de ganhar dinheiro ou pelo temor do desemprego. Artistas talentosos como Van Gogh, Gauguin, Picasso e tantos, criavam pelo simples prazer, sem se preocupar com as questões financeiras, muito embora alguns tenham sofrido por isso. Muitos criadores nos legaram grandes feitos, mas viveram e morreram na pobreza.
      Os julgamentos constantes podem inibir a criatividade. Já foi comprovado que as pessoas obtém melhores resultados quando sua produção não está frequentemente sendo julgada. Escrever poemas, pintar,desenhar, pesquisar cientificamente são tarefas que exigem liberdade e concentração.  No caso das criações artísticas é muito comum as interferências externas que visam tão somente os resultados financeiros. O pintor que é conduzido pela marchand, mesmo com promessa de recompensas, não conseguirá produzir obras de boa  qualidade. Isso fica muito evidente nos nossos dias em que a arte está sendo moldada pelo dinheiro. 
       Os gigantes da criatividade sempre trabalharam intensivamente, mas a liberdade de criação foi a marca determinante da qualidade de suas obras. Albert Einstein escreveu 248 trabalhos científicos; Picasso produziu uma média de 200 trabalhos por ano; Thomas Alva Edison registrou 1.093 patentes; Wolfgang Amadeus Mozart viveu apenas 35 anos, mas compôs mais de 600 peças.
       Uma das características  dos grandes gênios da humanidade é que começam trabalhar ainda jovens e produzem sem descanso até o fim da vida.  Johann Sebastian Bach  produziu mais de mil peças e ditou sua ultima obra  no seu leito de morte, aos 65 anos; Sigmund Freud escreveu seu primeiro trabalho quando tinha apenas 21 anos.
     Existe algo estranho que impulsiona os criadores a se aventurarem, em ritmo frenético, no mundo da beleza ou da verdade até idade avançada, mas o auge da idade produtiva, é na meia idade, ou seja, por volta dos 40 anos. Ludwig Van Beethoven compôs sua Quinta Sinfonia aos 37 anos, mesma idade em que Miguel Ângelo pintou a Capela Sistina. Mesmo com o avanço da idade, os atributos criativos nunca se esgotam, ao contrário, com o passar dos anos a experiência se soma à criatividade nata. 
       As pessoas criativas são inteligentes, mas o que se observa é que um alto grau de inteligência, por si só, não é garantia de sucesso. Sempre vemos pessoas inteligentes que vivem de forma comum e rotineira sem nunca chegar ao êxito. São indivíduos que aprendem uma profissão e a elas dedicam toda uma vida sem nada de novo criar. É como se já se sentissem realizados com o diploma e então param de estudar e passam a viver de forma repetitiva. Por outro lado, uma capacidade cerebral demasiadamente elevada pode até ser prejudicial. Também uma educação muito elevada pode ser um empecilho para a criatividade. É que os gênios criadores confiam mais na sua própria inteligência e costumam frequentar a escola até obterem o conhecimento básico e a capacidade técnica de que necessitam e então abandonam os estudos tradicionais e seguem por conta própria. É o que chamamos de auto-didata. 
      O conhecimento e a educação, por si mesmos, não tem nada de mal, mas os estudos tradicionais podem inibir a criatividade pela assimilação de métodos rotineiros de fazer as coisas. O conhecimento do passo-a-passo acaba impedindo as soluções insólitas, mas criativas. Se na escola a pessoa aprende os princípios básicos em vez de simples regras, o conhecimento pode ser verdadeiramente proveitoso. Entretanto, se a pessoa aprende uma fórmula para fazer as coisas acaba entrando numa rotina que facilita as realizações e então não sente necessidade de criar suas próprias maneiras de fazer. 
      Por tudo isso, a criatividade e a genialidade são parceias inseparáveis da liberdade. 
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Nicéas Romeo Zanchett 

  

sábado, 6 de abril de 2013

O QUE É DEUS E ESPIRITUALIDADE

O QUE É DEUS E ESPIRITUALIDADE 
     A filosofia nasceu com a intelectualização do homem no momento em que ele se tornou auto-consciente - (sef-conscious).  A transição do "homo senties" para o "homo sapiens" marca o início da filosofia.
     A inteligência - inter (entre) legere (ler, ou primitivamente, apanhar, colher), como a própria palavra diz, é uma faculdade tipicamente humana embora, em grau bem inferior, também exista em outras formas de vida que conhecemos neste planeta. Portanto, podemos defini-la como a faculdade que lê, apanha ou percebe algo entre as coisas individuais, um nexo oculto que os sentidos orgânicos não percebem. O ser dotado apenas de sentidos orgânicos não percebe senão coisas individuais, concretas, geralmente chamadas físicas ou materiais. Os sentidos só percebem a multiplicidade das coisas, mas não percebem nenhuma unidade no mundo. O homem,embora perceba também essa mesma pluralidade, objetos dos seus sentidos, concebe através dessa pluralidade periférica a unidade central do cosmos. Em poucas palavras: percebe a unidade através da multiplicidade. Considerando que a multiplicidade é periférica e aparente e a unidade é central e real, só um ser que percebe a unidade pode perceber a realidade do mundo. Portanto o homem enxerga a realidade do mundo através das suas aparências. 
     Considero que a frase mais profunda e abrangente dita por Jesus Cristo foi: "Conheceis a verdade - e a verdade vos libertará". 
     Somente pela posse da verdade é que o homem adquire a verdadeira liberdade. Quem vive na ignorância ou no erro (inverdade, irrealidade) é escravo. Seu castigo será sempre manter-se no atraso espiritual. Acima de tudo, precisamos amar a sabedoria. E na sabedoria estão todos os homens, seres vivos e a matéria (aparentemente inerte), porque são uma parte do "tudo". A renúncia do "eu", com todos os axiomas intelectuais e teorias é um obstáculo no caminho da perfeição. Uma vida egoísta, na esperança de poder enganar a Deus e crescer espiritualmente, é incompatível com a "realidade". Existe um juiz divinal dentro de cada "ser" inteligente que não pode ser enganado; ele faz parte dos pensamentos mais secretos e no final sempre saberá julgar com absoluta justiça. Portanto quando alguém rouba, engana seus semelhantes, desvia dinheiro público, está construindo sua própria decadência espiritual. Ele pode imaginar que, por ningem mais saber, não será punido. Mas não percebe que sua própria inteligência se encarregará dessa tarefa porque seu juiz interior (a consciência) sempre sabe tudo e um dia julgará. 
     O mundo, que é "algo", não veio do "nada", mas sim do "tudo". É desse pensamento que surgiu a teoria do Big-Bang (explosão do "tudo" que estava concentrado num determinado ponto). Todos esses "algos" que chamamos mundos, emanaram, não da infinita vacuidade do "nada", mas da infinita plenitude do "tudo". É esse "tudo" que as religiões chamam de "Deus". De Deus emanam constantemente, os fenômenos, os mundos, os universos - e a Ele retornam sem cessar. 
     Não vejo como uma modesta sabedoria humana possa, com precisão, definir o que é Deus. Mas, para melhor entendermos, vamos definir Deus como o Poder Criador do cosmos (Pai Brahma); Deus é a Sabedoria Dirigente da Natureza (Filho Vishnu); Deus é Amor Perficiente do Universo (espírito Santo, Shiva). 
     Todo o universo fenomenal emanou da eterna realidade, Deus, "o tudo" que provocou a Grande Explosão. Embora pareça difícil, é preciso compreender que o universo não emanou de Deus como um líquido que emana de um recipiente, mas sim como o pensamento emana da alma. Emanação material implica em separação, afastamento, distanciamento entre aquilo que emana e aquilo do qual emana. Entretanto, não é isto que acontece no mundo da Absoluta Realidade. O pensamento, quando emana da alma continua a estar dentro da alma; não há possibilidade de separação entre o pensamento e a alma, pois no mesmo instante em que o pensamento fosse separado da alma deixaria de existir. O pensamento só é real enquanto permanece na alma, imanente ao ser. Portanto, o pensamento é a própria alma enquanto esta pensa;  são inseparavelmente unidos e até certo ponto idênticos. Pois é dessa forma que o universo fenomenal emana de Deus; é, pois, uma permanente manifestação, revelação ou atividade de Deus. 
     Deus não equivale a este ou àquele fenômeno, mas sim à essência eterna de cada um. O íntimo ser de cada coisa é Deus, mas não o seu "existir" perceptível pelos sentidos ou concebível pelo intelecto. No plano do "ser" nada há e nem pode haver fora de Deus, mas, sim no "existir".  Uma simples planta que hoje começa a existir como este fenômeno individual, já "era" (ou, mais corretamente), "é" desde toda a eternidade com "realidade", ou parte inseparável de Deus. 
     Uma vez que Deus é a única "ralidade", a essência e o íntimo de todas as coisas, podemos concluir que todas essas coisas nunca poderiam "começar" nem "continuar" a sua existência fenomenal sem que a eterna "realidade" lhes desse e conservasse essa existência individual. Portanto, tudo existe graças a permanente imanência da Divindade em todos os seres vivos, materiais e imateriais. Nenhum ser individual pode deixar de "ser", cair no abismo do puro "nada", mas pode deixar de existir como fenômeno individual e voltar a fazer parte do "tudo". Em outras palavras, pode deixar de ser "algo" individual e voltar a ser parte da infinita e indestrutível "realidade", Deus, o "tudo". 
     O Deísmo do século 18 considerava o mundo como uma criação de Deus no sentido transcendente, e não imanente; segundo os deístas, teria Deus, em tempos pretéritos, criado o universo material e depois abandonado a seu destino, retirando-se, em seguida, para seu palácio transcendente e misterioso, para além das fronteiras deste mundo visível. Se fosse tão simples assim o mundo teria voltado a um puro "nada". 
     A onipresença de Deus não é uma simples coexistência com os fenômenos individuais; como se esses fenômenos existissem e com eles existe Deus. Nenhum fenômeno existiria individualmente sem a imanente criadora presença de Deus; seriam o puro "nada" no plano fenomenal. Como já disse e volto a enfatizar, Deus é o "tudo". Portanto, quando fazemos mal  a qualquer ser individual, seja ele vegetal, animal ou mineral, estamos atingindo o "tudo" do qual fazemos parte.
     Nascer e morrer não são princípios nem fins absolutos; são apenas um começar e acabar relativos. Um ser nasce quando emerge do oceano infinito da "realidade" absoluta e universal, e como onda, pequena ou grande, aparece na superfície visível deste imenso abismo invisível que chamamos de universo, "natureza". Antes de emergir  desse abismo o ser possui "realidade" universal, depois de emergir possui existência individual, podendo ser objeto verificável por um ou mais dos nossos sentidos. Um ser morre quando abandona a tona perceptível do oceano cósmico e torna a submergir nas imperceptíveis profundezas da eterna "realidade. Portanto, a existência do homem é anterior à sua encarnação, como também será posterior à sua desencarnação.
     A "realidade" é, pois, a infinita "atividade criadora", a "Consciência Universal", da qual todos os seres, materiais ou imateriais, recebem sua parcela de consciência individual. Não existe nenhum "ser" que não seja de algum modo consciente; mesmo que seja em tão primitivo grau que, visto da altura da nossa autoconsciência humana, nos pareça inconsciente. Do incessante transbordar da infinita plenitude criadora é que vem o "ser" consciente para agir com livre arbítrio. É esse livre arbítrio que determinará sua história futura. O futuro poderá ser de acensão ou descensão, dependendo da sua maneira de agir como "ser" individual.
     A consciência humana ainda não está suficientemente desenvolvida para captar os fatos emanados da alma (fatos que chamamos de espírito), para então tirar suas conclusões. Os nossos sentidos ainda estão muito dirigidos para a matéria rude.  Essa matéria é muito atrativa e é nela que muitos sucumbem. Todo o excessivo acumulo de bens materiais é concentrado na matéria que irá sucumbi-lo, (em vez de, espiritualmente, ascender irá descender). Quando um ser consciente acumula bens desnecessários, está tirando dos seres que estão carentes dela. O julgamento e punição serão feitos pela consciência - Juiz divinal de cada um. Ela tudo vê, tudo sabe e dela ninguém escapa. 
     Três grandes lutas tem de sustentar o homem até chegar a uma relativa quietação interior: 1 - a luta entre a matéria e o espírito, que é individual; 2 - a luta entre a liberdade e a autoridade, que é social; 3 - a luta entre o intelecto e a fé, que é metafísica. Esta última atinge às mais profundas raízes do ser humano, lá onde corre a linha divisória entre Deus e o homem, entre o finito e o infinito.
     Se já conhecêssemos as forças divinas que estão adormecidas no nosso interior e se as aperfeiçoássemos durante o curto período de transição aqui na terra, ao invés de dirigir nossa energia para assuntos terrenos sem importância, evoluiríamos, no decorrer do tempo, e nos aproximaríamos mais da perfeição. Voltaríamos ao "tudo"  como seres espiritualmente amadurecidos. Não procuramos essa perfeição pela ignorância que ainda temos sobre as forças secretas da natureza - o "tudo"-, da qual  fazemos parte. A "natureza" é uma força criada, temporal, espiritual, corporal e real. Uma imagem do espírito não criado, interminável, eterno, tanto visível quanto invisível. Todo o universo consiste em pensamentos materializados do Criador, o "tudo". Não há nada diferente, não havia nada diferente e jamais haverá  algo diferente no tempo da eternidade. 
     O homem comum considera a inteligência consciente como o mais perfeito estado do ser humano, o que é, certamente, um grande erro, ou então uma filosofia infantil. Há um estado superconsciente, que é incomparavelmente mais perfeito do que o estado comumente chamado consciente. O gênio, nos seus momentos mais fecundos e dinâmicos, não age de um modo plenamente consciente; está "inspirado", isto é, tomado de um espírito, de uma força cósmica que não coincide simplesmente com o "eu histórico desse homem; é algo que ultrapassa todas as barreiras da sua consciência intelectual. O verdadeiro gênio é antes de tudo "atuado" do que "atuante"; é empolgado e arrebatado por alguma potência superconsciente e, quiçá, ulta-personal. Neste sentido, temos exemplos maravilhosos que comprovam este estado de superconsciência; são muitos os exemplos que poderia dar, mas vou citar apenas três casos conhecidos: o pequeno gênio Mozart que começou a compor com apenas cinco anos; o famoso pintor Van Gogh, que produzia suas mais brilhantes obras em estado de quase loucura; e também o brasileiro Zé Arigó, médium que, sob atuação de alguma força extra-sensorial, com um simples canivete e sem anestesia fazia operações cirúrgicas inexplicáveis, mas com absoluto sucesso.
     Uma das palavras mais felizes e precisas que a língua humana possui é "êxtase". "Ec" ou "ex" que dizer "fora"; "statis" significa o "ato de estar". De maneira que êxtase diz literalmente o estado de um homem posto fora de si mesmo. Todo o homem superconsciente acha-se "fora de si mesmo", porque seu verdadeiro "Eu" ultrapassou o âmbito dos sentidos e do intelecto consciente, e entrou numa zona ignota, anônima, vedada a essas faculdades diurnas; entrou na zona noturna que são o domínio da faculdade superconsciente. De per si, é essa zona noturna dos sentidos e do intelecto, mas para estas faculdades inferiores ela é noturna - assim como a luminosidade do dia é escuridão para as aves noturnas, ao passo que as trevas lhes parecem luminosas. É muito conhecido o trabalho do Kardecista (espírita) Chico Xavier; ele entrava em transe  (estado de superconsciência)  e escrevia longos livros que jamais conseguiria em estado consciente. 
     A alma ou espírito humano, superando os sentidos e o intelecto, entra no reino da superconsciência. Devido ao caráter misterioso  desse estado superconsciente, muitos confundem com a subconsciência - como se uma luz excessivamente forte fosse id~entica à treva, pelo simples fato de ultrapassar os limites da penumbra. A nossa atual consciência é comparável à penumbra, ao passo que a superconsciência é luz integral. 
     O homem possui vários sentidos em seu estado latente, com os quais pode perceber aparições espirituais que não entende. A intuição, por exemplo, está vagamente presente na maioria dos homens, apesar de dominada pelo intelecto. Ela funciona como que  (a exemplo) uma antena ou aparelho receptor dotado de extrema sensibilidade; apanha vibrações que não seria possível com o aparelho grosseiro da consciência puramente intelectiva. Todos os sensitivos tem uma inteligência além da sua inteligência normal, comum.  Também a telepatia é um fenômeno que depende do funcionamento da mente. O sistema básico do cérebro para o processamento das informações é o mecanismo empregado na telepatia, na clarividência e na precognição. A informação está construída na própria estrutura do universo. Nossa mente não passa de uma pequenina máquina local, mas existe uma inteligência coerente, de incalculável grandeza, que está por trás. É difícil saber se esses mentores são seres inteligentes, autônomos, independentes, ou se é a mente de um médium desencarnado. O que podemos concluir é que existe inteligência por trás, que os sistemas materiais são influenciados, transformados, deformados, que há forte energia invisível sendo empregada. Poderíamos   dizer que somos parte de um sistema de saída e entrada que estabelece comunicação com o sistema universal. Tudo indica que nessas ondas existem sistemas de velocidades acima do da luz e que essas inteligências estão em outros espaços e dimensões; são inúmeros universos paralelos, separados pelas suas velocidade e para atravessas de um território para outro é preciso ultrapassar a barreia da velocidade. É a energia e inteligência trabalhando juntas em certo lugar no tempo e no espaço. A alma existe e é nosso "locus", ela faz parte desse sistema, desta inteligência que permeia o universo. O grande desafio está na  alma conhecer a energia que existe nesta galáxia em que vivemos e que já foi definida pela física.  Quando chegarmos a compreender o sistema físico - a levitação, a desmaterialização, a rematerialização e dominar a energia e a matéria, então teremos terminado o que viemos fazer e seguiremos em frente, rumo ao próximo planeta ou à próxima galáxia. Dessa forma iremos caminhando, aprendendo a manejar os diferentes aspectos do universo, as diferentes velocidades, espaços e tempos que existem. 
     Os jovens de nossos dias estão à procura de um "porto seguro" que deveria estar no centro de todos os ensinamentos científicos ou religiosos. A ciência ensina tudo sobre sua forma exterior, sua anatomia, sua psicologia, suas relações com o mundo físico. Este jovem sabe que sua forma exterior morrerá e que o conhecimento sobre a existência limitada do corpo é pequena e sem importância quando comparado ao tesouro do seu ser espiritual "interior". Mas ele procura alguma segurança sobre seu "ser" espiritual, independentemente de sua forma e aparência exterior. Mas a ciência mantém silêncio sobre esse problema e isso leva-o a procurar as Igrejas que também não sabem oque dizer.  São mais de 300 igrejas cristãs, seitas e organizações fazendo afirmações contraditórias. Não tem provas desses testemunhos que pregam e muito menos razão para torná-los aceitáveis ou dignos de de crença.  Mas, cada uma dessas comunidades clericais ou seitas dizem possuir a única verdade e aquele que não acreditar será amaldiçoado eternamente.  Dessa forma, o jovem continua perdido nas suas dúvidas. Muitos silenciam a voz da razão e da dúvida, entregando-se cegamente a uma crença. Outros, os intelectuais, concluem que nunca terão respostas para suas perguntas e passam a pensar apenas em si próprios, procurando tornar o mais agradável possível, no sentido material, sua estada aqui na Terra. 
     Por ser o homem um ser espiritual, o seu cérebro é facilmente condicionado a aceitar cegamente uma doutrina ou dogmas; somos levados a crer que determinado sistema - (igreja) é o único que nos trará a verdade. É isto que tem permitido a proliferação de diferentes igrejas, muitas delas exploradoras e puramente comerciais. Mas quando nós, dentro de toda a razão, com a nossa inteligência, livres de emoções, estudarmos um bom número de sistemas religiosos, comparando seus símbolos e alegorias, seu significado secreto,iremos concluir que todas as religiões possuem uma verdade fundamental comum, e que a maioria dos crentes não percebe, a identidade da "natureza" com o divino e o espirito eterno que nela age. Este deus Universal, o "tudo" é muito mais ilimitado do que o Deus das Igrejas. Ele não precisa ser chamado, agradado ou intermediado pelos santos, sacerdotes ou pastores. Ele é a força energética eterna, tão inviolável quanto a lei mais perfeita. o Deus das religiões é aquele que ora castiga e ameaça, ora perdoa e concede "milagres" a quem os homens intimamente respeitam. Mas o verdadeiro Deus não é só da humanidade; é do universo. É uma força eterna, da qual tudo o que existe participa, querendo ou não, porque é parte do "tudo, a sabedoria universal. 
     Sendo Deus e as coisas divinas algo essencialmente ultra-intelectivo e superconsciente, é natural que essas supremas realidades sejam mais facilmente atingíveis por uma faculdade superconsciente, como é a intuição, do que por uma faculdade consciente, como é a inteligência. 
     Os símbolos dos herméticos da antiguidade foram adotados pelas modernas Igrejas Cristãs. Muitos desses símbolos já existiam desde tempos antigos, embora os nomes dos princípios que eles representam tivessem sido modificados repetidas vezes. Na Igreja Católica, a maior do mundo, encontramos símbolos que os egípcios já usavam, como também os antigos brâmanes, e, possivelmente até os povos da antiga e enigmática Atlântida, cuja história se perde na noite de um passado distante.   Sacerdotes e fiéis curvavam-se diante desses símbolos porque lhes foi ensinado que são lembranças históricas da morte de Jesus de Nazaré que viveu a apenas dois mil anos. 
     As estátuas que representavam os deuses gregos e romanos não representavam pessoas, mas sim forças universais da natureza.  Encontramos essas mesmas forças no Mahabharata, nos poemas de Homero e em muitos outros livros inspirados.  

     Quando uma religião entra em decadência, o significado secreto dos símbolos se perde. Isso prova que o "espírito" que deu luz àquela religião, desapareceu. Em todas elas o "saber" é substituído pela crença, pelo conceito. A forma exterior de uma religião desse tipo pode sustentar-se por algum tempo, mas no final ela também desaparecerá. Isso aconteceu com os gregos, com os romanos, com os egípcios, e atualmente acontece com as igrejas cristãs. 
     Muitas das leis ocultas e forças misteriosas são ignoradas pela humanidade. A consciência humana ainda não desenvolveu suficientemente para captar esses fatos, mas, por enquanto, basta-nos observar que o nosso pequeno planeta está borbulhando de vida inteligente, cuja beleza ultrapassa nossos sonhos mais ambiciosos. Compreender e respeitar isso é tão importante que disso pode depender a nossa própria existência como "ser" humano. 
Nicéas Romeo Zanchett