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domingo, 5 de outubro de 2014

VAIDADE DA GLÓRIA - Por Montaigne

Narciso 
VAIDADE DA GLÓRIA 
                    Toda a glória que pretendo da minha vida, é tê-la passado tranquilamente, não segundo Metrodoro de Quíos, Arcesilau ou Aristipo, mas segundo eu próprio. Já que a filosofia não soube encontrar nenhum meio para a tranquilidade que fosse bom em comum, que cada um a procure em particular. 
                     A quem devem Cesar e Alexandre essa grandeza infinita da sua fama senão à fortuna? 
                     Quantos homens não extinguiu ela, no princípio das suas carreiras, dos quais não temos conhecimento algum, tendo empregado igual coragem que a daqueles, porque a desgraça da sua sorte os fez parar logo no começo das suas empresas? 
                     Através de tantos e tão extremos perigos, não me lembro que César tenha sido ferido; mil morreram de menores perigos que o menor daqueles que ele venceu. 
                     Inúmeras belas ações se devem perder sem testemunhas antes que venha uma de que se tire proveito; não se está sempre no alto duma brecha, ou na vanguarda dum exército, à vista do general, como sobre o cadafalso; é-se surpreendido entre barreira e o fosso; é necessário tentara sorte contra uma casinhola; é necessário desanichar quatro miseráveis arcabuzeiros duma granja; é preciso desviar-se do grupo e arriscar-se sozinho conforme a oportunidade que se oferece. 
                    E se repararmos bem, vê-se-á, creio eu , que, segundo a experiência, as menos brilhantes ocasiões são as mais perigosas e que nas guerras que tem havido no nosso tempo se tem perdido mais gente de bem nas ocasiões ligeiras e pouco importantes e na tomada de qualquer simples pardieiro, do que em ocasiões dignas e honrosas. 
                    Quem tem a sua morte por mal empregada, se não for numa ocasião assinalada, em vez de ilustrar sua morte, obscurece voluntariamente a sua vida, deixando fugir muitas belas ocasiões de se arriscar; e todas as juntas são bastante ilustres, pois a consciência as patenteia suficientemente.  "Glória nostra est testimonium conscientiae nostre."
                  Quem não é homem de bem senão porque o saberão e o estimularão melhor depois de o saberem, quem não quer fazer bem senão com a condição de que a sua virtude chegue ao conhecimento dos homens, não é pessoa de que se possam aproveitar serviços...
                  É necessário ir à guerra por dever e aguardar esta recompensa que não pode faltar a todas as belas ações, nem mesmo aos pensamentos virtuosos por mais ocultos que eles sejam; é o contentamento que uma consciência bem formada sente em si por bem fazer. É necessário ser valente por si mesmo e pela vantagem que há em ter a sua coragem abrigada numa posição firme e assegurada contra os assaltos da fortuna. 
                  Não é para o público que a nossa alma deve representar o seu papel; é dentro de nós, no íntimo, para onde nenhuns olhos veem senão os nossos; ai ela protege-nos do medo da morte, das dores e da própria vergonha; dá-nos coragem para sofrermos a perda dos nossos filhos, dos nossos amigos e das nossas fortunas; e quando a oportunidade se apresenta leva-nos também aos acasos da guerra, non emolumento alíquo, sed ipsius honestatis decore (não pela esperança de um benefício, mas pela própria honra.) 
                  Este provérbio é bem mais digno de ser desejado e esperado do que a honra e a glória, que não são mais que uma opinião favorável que fazem de nós... 
Miguel Eyquem de Montaigne
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BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR 
             Miguel Eyquem de Montaigne, moralista frances, nasceu no castelo de Montaigne em 1533, e lá mesmo morreu em 1592. Fez em Bordeus os seus estudos. Foi conselheiro do tribunal de Bordeus até 1570, retirando-se então para Montaigne, onde escreveu, de 1571 a 1580, os dois primeiros livros dos seus Ensaios, 1580. Fez depois uma longa viagem pela Suíça, Alemanha, Itália, onde visitou Tasso. Durante esta ausência foi eleito maire Bodeus, e desempenhou o cargo de 1581 a 1583. Voltando à vida privada, dedicou-se a acrescentar e retocar a sua obra nos últimos nove anos da sua vida. 
Nicéas Romeo Zanchett