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sexta-feira, 29 de março de 2013

A NATUREZA DA ALMA - Por Leibnitz

Leibnitz


A NATUREZA DA ALMA 
por Leibnitz

      O corpo orgânico de cada ser vivo é uma espécie de maquina divina ou autômata natural, que infinitamente sobreleva todos os autômatos artificiais. Porque uma máquina feita pela arte do homem não é uma maquina em cada uma das suas partes. Por exemplo, o dente duma roda de metal tem partes ou fragmentos que para nós não são produtos artificiais, e que não tem os característicos especiais do maquinismo, porque não dão indicação do fim a que a roda é destinada. Mas os maquinismos da natureza, isto é, os corpos vivos, são maquinismos mesmo nas suas mais pequenas partes "ad infinitum".  É esta a diferença entre a natureza e a arte, isto é, entre a arte divina e a nossa. É possível ao autor da natureza empregar este poder divino e infinitamente maravilhoso da arte, porque cada pedaço da matéria não só é infinitamente divisível, como notaram os antigos, mas é realmente infinitamente subdividido, cada parte em outras, cada uma das quais tem qualquer movimento próprio; de contrário seria impossível que cada pedaço da matéria expressasse o universo inteiro.
     Daqui se vê que na mínima partícula da matéria há um mundo de criaturas, seres vivos, animais, entelequias, almas. 
     Cada pedaço de matéria pode conceber-se como tal qual um jardim cheio de plantas ou um lago cheio de peixes. Mas cada ramo de cada planta, cada membro de cada animal, cada gota dos seus elementos líquidos é também outro tal jardim ou lago. 
     E conquanto a terra e o ar que estão entre as plantas do jardim, ou a água que está entre os peixes do lago, não sejam nem peixe, ainda assim também contém plantas e peixes, mas na sua maioria duma pequenez para nós imperceptível. 
     Daqui se vê que cada corpo tem uma entelequia dominante, que num animal é a alma; mas os membros deste corpo vivo estão cheios de outros corpos vivos, plantas, animais, cada um dos quais tem também a sua entelequia ou alma dominante. 
     Não se deve imaginar, como tem feito alguns que tem compreendido mal o meu pensamento, que cada alma tem uma quantidade ou porção de matéria que exclusivamente lhe pertence ou para sempre está ligada, e que por consequência é senhora de outros seres vivos e inferiores, que estão eternamente afetos ao seus serviços. Porque todos os corpos estão num fluxo perpétuo como os rios, e partes continuamente entram e saem deles. 
     Assim a alma muda de corpo apenas gradualmente,  pouco a pouco, de modo que nunca lhe faltam todos os seus órgãos; e que há muitas vezes metamorfoses nos animais, mas nunca metempsicose ou transmigração de almas; nem há almas de todo separadas (do corpo) nem espíritos sem corpo. Só Deus é completamente sem corpo. 
É por isso também, que nunca há geração absoluta nem morte completa, no sentido exato, consistindo na separação da alma. Aquilo a que chamamos gerações são desenvolvimentos e crescimentos e aquilo a que chamamos mortes são envolvimentos e diminuições. 
     Tem dado muito que fazer aos filósofos a origem das formas, entelequias ou almas; mas sabe-se hoje, pelo estudo acurado das plantas, insetos e animais, que os corpos orgânicos não são nunca produto do caos ou da putrefação, mas vem sempre de sementes onde havia sem dúvida qualquer preformação; e sustenta-se que não só o corpo orgânico estava la antes da concepção, mas também uma alma nesse corpo, em suma o próprio animal; e que por meio da concepção este animal foi simplesmente preparado para a grande transformação que envolve "o tornar-se um animal de outra espécie". É qualquer coisa neste gênero que se vê caos que não são de nascimento, quando por exemplo, larvas se tornam moscas e lagartas, borboletas...
     Estes princípios deram-me meio de explicar naturalmente a união, ou a conformidade da alma e do corpo orgânico. A Alma segue as suas próprias leis, e o corpo do mesmo modo segue as suas, e concordam um com o outro  em virtude da harmonia pré-estabelecida entre todas as substâncias, visto que são todas representações do mesmo e único universo. 
     As almas agem segundo as leis das causas finais por apetições, fins e meios. Os corpos agem segundo as leis de causas eficientes ou movimentos. E os dois reinos, o das causas eficientes e o das causas finais, são harmônicos entre si. 
     Segundo este sistema os corpos agem como se (para supor o impossível) não houvesse alma, e as almas agem como se não houvesse corpo e ambos agem como se cada um influenciasse o outro.
     Com respeito aos espíritos ou almas racionais, conquanto ache que há no fundo a mesma coisa, em todos os seres vivos e animais, como acabamos de dizer - (isto é, que os animais e a alma começam a ser quando o mundo começa e, como o mundo, não tem fim), ainda assim há esta peculiaridade  nos animais racionais, que os seus animáculos espermáticos, enquanto não são mais do que espermáticos, tem almas simplesmente ordinárias ou sensitivas; mas quando aqueles que são eleitos, para mim  dizer, atingem a natureza humana por uma concepção atual, as suas almas sensitivas sobem à altura da razão e à prerrogativa de espíritos. 
     Entre outras diferenças  que existem entre as almas ordinárias e os espíritos, diferenças das quais já tenho notado algumas, há também esta: que as almas em geral são espelhos vivos  ou imagens do universo das criaturas; mas que os espíritos são também imagens da Divindade ou do próprio autor da natureza, aptas para conhecer o sistema do universo, e até certo ponto para o imitar por meio de modelos arquitetônicos, sendo cada espírito como uma pequena divindade na sua própria esfera. 
     É isto que faz com que os espíritos possam entrar numa espécie de comunicação com Deus e faz com que se dê o caso que Ele não é só o que um inventor é para a sua máquina (a qual relação é a de Deus para com todas as outras coisas criadas), mas também o que um príncipe é para os seus súditos, e o que um pai é para os seus filhos. 
     Daqui é fácil concluir que a totalidade dos espíritos deve constituir a Cidade de Deus, quer dizer, o mais perfeito Estado que é possível sob o mais perfeito dos Monarcas.
     Esta cidade de deus, esta monarquia verdadeiramente universal, é um mundo num mundo natural, e a mais alta e mais divina entre as obras de Deus; e é nela que a glória de Deus principalmente consiste, porque Ele não teria glória se a Sua grandeza e a Sua bondade não fossem conhecidas e admiradas por espíritos. É também em relação a esta Cidade divina que Deus especialmente mostra bondade, ao passo que a Sua sabedoria e o Seu poder estão manifestados em parte.
     Assim como acima mostramos que há uma perfeita harmonia entre os dois reinos da natureza, um de causas eficientes, outro de causas finais, cumpre-nos aqui notar ainda uma outra harmonia entre o reino físico da natureza e o reino moral da graça, isto é, entre Deus, considerado como arquiteto do maquinismo do universo e Deus considerado como Monarca da divina Cidade dos espíritos. 
     Um resultado desta harmonia é que as coisas levam à graça pelos próprios caminhos da natureza, e que este globo, por exemplo, deve ser destruído e renovado por meios naturais na própria ocasião em que o governo dos espíritos o exige, para castigo de alguns e recompensa dos outros. 
     Também se pode acrescentar que Deus como Arquiteto em tudo satisfaz Deus como legislador, é assim que os "pecados" devem trazer consigo o seu próprio castigo, pela ordem natural, e mesmo em virtude da estrutura mecânica das coisas; e paralelamente que as ações devem obter as suas recompensas por vias maquinais em relação aos corpos, conquanto isto não possa nem deva acontecer sempre imediatamente. 
     Finalmente sob este governo perfeito, nenhuma boa ação ficaria sem recompensa e nenhuma má ação sem castigo, e tudo deve redundar para bem dos bons; isto é, daqueles que não são descontentes neste grande estado, que confiam na Providência, depois de ter feito o seu dever, e que amam e incitam, como é próprio, o Autor de todo o mundo da lei, tendo-se contemplação das Suas perfeições, segundo a natureza do verdadeiro "amor puro", que acha prazer na felicidade do ente amado. É isto que leva gente sábia e virtuosa a dedicar as suas energias a tudo quanto pareça em harmonia com vontade presuntiva ou antecedente de Deus, e contudo os faz contentarem-se com o que Deus realmente faz vir a ser pela sua vontade secreta, consequente e decisiva; reconhecendo que se pudéssemos conhecer suficientemente a ordem do universo, acharíamos que ele excede os desejos dos mais sábios, e que é impossível torná-lo melhor do que é, não só como um todo em geral, mas também para nós mesmos em particular, se somos dedicados, como devemos ser, ao Autor de tudo, não só como sendo o arquiteto e a causa eficiente do nosso ser, mas como sendo o nosso Senhor e causa final, que deve ser o único fim da nossa vontade, e é a única coisa que nos pode tornar felizes.
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BREVE BIOGRAFIA DE "LEIBNITZ",
   Godofredo Guilherme Leibnitz,  um dos  maiores matemáticos e  metafísicos do mundo, um gênio  universal, nasceu em 1648 em Lípsia -Alemanha -, onde seu pai era professor de filosofia. Prodígio de erudição precoce, entro aos quinze anos para a Universidade de Lípsia; ali, depois, estudou muito a história e filosofia antigas e modernas; cursou direito durante um ano em Iena; e recusando-lhe Lípsia o grau de doutor em direito por causa da sua pouca idade, concedeu-lhe Altdorf pela mesma tese, "Casos duvidosos no direito".  Indo para Frankfurt em 1697, escreveu um estudo sobre a educação jurídica que atraiu a atenção do arcebispo-eleitor de Moguncia,  que o empregou como medianeiro para tentar a união de católicos e protestantes. Em 1672 foi a Paris para induzir Luiz XIV a invadir o Egito, projeto sobre o qual escrevera um livro, e ali se demorou quatro anos, correspondendo-se com sábios de nome, inventando uma máquina de calcular, e em 1676 o cálculo diferencial. Em 1673 faleceu o arcebispo, e depois de procurar entrar para a carreira diplomática, Leibnitz vei a ser, e foi até morrer, bibliotecário do Duque de Brunswick em Hanover. Em 1703 escreveu os "Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano", em 1710 a "Teodicéa", e em 1714 a "Monadologia". Faleceu em 1716. 
Estudo Pesquisa e postagem: Nicéas Romeo Zanchett 
http://máximas-grandespensadoresuniversais.blogspot.com.br   
  
     

quinta-feira, 28 de março de 2013

A COMPOSIÇÃO DA PINTURA - Por Leonardo Da Vinci

Uma aula com Da Vinci.


A COMPOSIÇÃO DA PINTURA 
Por Leonardo da Vinci

COMO SE REPRESENTA UMA TEMPESTADE 
     Para formar uma ideia justa duma tempestade, devemos considerar atentamente os seus efeitos.  Quando o vento sopra violentamente por sobre o mar ou terra, desloca e leva consigo tudo oque não está firmemente fixo à massa geral.  As nuvens devem parecer dispersas e com rotas arrastadas na direção e conforme a força do vento, e confundidas com nuvens de areia  que se levantam da praia; devem representar-se ramos e folhas de árvores, como impelidas pela violência do vento, juntamente com outras inúmeras e leves substâncias, espalhadas no ar. As árvores e erva devem estar curvadas para o chão, como que cedendo à carreira do vento. Os ramos devem estar torcidos fora do seu natural, com as folhas voltadas e emaranhadas. 
     Quanto ás figuras dispersas na pintura, devem algumas aparecer arrojadas ao chão, tão envolvidas nos seus mantos e cobertas de pó que mal possam distinguir.  Das que ficaram de pé, umas devem estar abrigadas e segurando-se com força por de traz de algumas grandes árvores, para escaparem à mesma sorte; outras inclinadas para o chão, protegendo a cara do pó, com as mãos, os cabelos e roupas voando para o ar à mercê do vento.
     As grandes e tremendas vagas do mar tempestuoso devem estar cobertas de espuma, cujas partes mais tênues sejam levadas pelo vento, como se fossem uma névoa intensa, misturada com o ar. 
     Os navios que se vejam, devem ser representados com o cordame arrebentado e as velas rotas. Uns com mastros partidos, derrubados e o casco todo adornado entre as vagas alterosas. Parte da tripulação aparecerá como chamando em alto grito por socorro e agarrada aos restos do desmantelado navio. As nuvens parecerão atiradas por tempestuosos ventos de encontro aos cumes de altas montanhas, envolvendo-as, quebrando-se como ondas contra uma costa de rochedos. A atmosfera será representada medonhamente obscurecida pelo nevoeiro, pelo póe pelas grossas nuvens. 

NOTA: - Como podemos observar, Leonardo Da Vinci, antes de executar uma obra, fazia uma espécie de roteiro a ser seguido. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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                                              COMO COMPOR UMA BATALHA
     Primeiro a atmosfera deverá apresentar uma mistura confusa de fundo proveniente das descargas de artilharia e mosquetaria, e do pó levantado pelos cavalos dos combatentes; Observaremos que o pó, que sobe a terra, é pesado, mas no entanto, em razão das suas ínfimas partículas, é facilmente impelido para cima e misturado com o ar; Apesar disso, cai naturalmente de novo e só as suas partes mais sutis é que alcançam alguma considerável altitude, tornando-se na parte mais alta, tão fino e transparente, que quase parece da cor da atmosfera.
      A fumaça assim misturada com a atmosfera cheia de pó, forma uma espécie de nuvem negra, no cimo da qual ela se destaca do pó por uma  expressão azulada, pois o pó conserva mais a sua cor natural. Do lado de onde vem a luz, esta mistura de ar, fumaça e pó, parecerá muito mais brilhante do que do lado oposto. 
     Quanto mais envolvidos estiverem os combatentes neste tumultuoso nevoeiro, menos distintamente visíveis serão, e as suas luzes e sobras serão mais confusas. Tinjamos duma cor avermelhada, os rostos e corpos dos mosqueteiros e todos os objetos próximos, mesmo a atmosfera ou uma nuvem de pó; Em resumo tudo quanto os rodear. esta tinta avermelhada irá desvanecendo à medida que os objeto estiverem afastados da causa inicial.
     O grupo de figuras que aparece a certa distância entre o espectador e a luz, formará uma massa escura sobre um fundo claro; e as suas pernas serão tanto mais indecisas e obscuras quanto mais próximo do solo, onde o pó é mais pesado e denso. 
     Se quisermos representar alguns cavalos perdidos, galopando fora do corpo principal, introduziremos também uns pequenos rolos de pó, tão separados uns dos outros  como os saltos do cavalo, e estes pequenos rolos ir-se-ão tornando mais fracos, raro e desvanecidos,  à   proporção que o cavalo os vai deixando para trás. Por consequência aquele que estiver mais perto dos pés do cavalo, será o melhor determinado, mais pequeno e mais denso de todos. 
     A atmosfera deverá apresentar-se atravessada em todas as direções por frechas; umas subindo, outras descendo e outras voando horizontais. As balas dos mosquetes, conquanto se não vejam, serão indicados na sua trajetória por um rasgo de fumaça, que se destaca dentre a confusão geral. As figuras no primeiro plano deverão teros cabelos cobertos de pó, assim como as sobrancelhas e todas as partes suscetíveis de o reter. 
     O partido vencedor correrá para frente, os cabelos e coisas leves voando ao vento, as sobrancelhas carregadas e o movimento de todos os membros propriamente combinado; por exemplo, ao atravessar o pé direito o braço esquerdo deverá vir à frente também. Se quisermos representar algum deles caindo, marcaremos o vestígio da queda no pó coberto de sangue coagulado e escorrendo; e onde  a terra estiver menos impregnada de sangue, deixaremos ver os sinais dos pés dos homens e cavalos que por ali passaram. Representaremos alguns cavalos arrastando os corpos dos seus cavaleiros e deixando atrás de si um sulco aberto pelo corpo assim rojado. 
     As fisionomias dos que vão sendo vencidos deverão aparecer pálidas e abatidas. As sobrancelhas levantadas e muitas rugas pela testa e pelas faces.  As suas narinas um pouco dilatadas, formando várias rugas arqueadas terminando nos cantos dos olhos, rugas que são produzidas pelo abrir e levantar das narinas. O lábio de cima levantado, deixando ver os dentes. As bocas abertas e exprimindo violentas lamentações. Poderá um ficar caído no chão ferido, esforçando-se por amparar o corpo com uma mão e tapando os olhos com a outra, de palma voltada para o lado do inimigo. Outros fugindo e com as bocas abertas parecendo gritar. Por entre as pernas dos combatentes o chão deve estar juncado de toda a qualidade de armas como escudos partidos, lanças, espadas, etc. Devemos apresentar diversos cadáveres, uns completamente cobertos de pó, outro só em parte; o sangue que parece sair imediatamente da ferida, deverá ter a sua cor natural e escorrer em fio tortuoso até que, misturando-se com o pó, forme uma espécie de lama avermelhada. Alguns poderão estar na agonia da morte; os dentes cerrados, os olhos desvairadamente fitos, os punhos fechados e as pernas em contorcidas posições. Outros aparecerão desmaiados e batidos pelo inimigo, mas ainda lutando a murro e a dentes, e procurando tirar uma terrível, ainda que inútil, desforra. Poder-se-á também representar um cavalo perdido sem cavaleiro, fugindo em desordenada aflição; a crina voando ao vento, pisando debaixo das patas tudo o que lhe aparece na frente e causando imenso mal. Poder-se-á também pintar um soldado ferido, meio caído no chão e tentando cobrir-se com o escudo, enquanto um contrário inclinado sobre ele procura dar-lhe o golpe final.  Vários cadáveres amontoar-se-ão debaixo dum cavalo morto.  Alguns dos vencedores, como que parando de combater, estarão limpando a cara do pó misturado com o suor e água dos olhos. 
     O corpo de reserva representar-se-á avançando alegre, mas cautelosamente; as sobrancelhas contraídas fazendo pala das mãos para observar os movimentos do inimigo, por entre as nuvens de pó e fumaça e parecendo todos atentos às ordens do comandante. Poderemos também representar o comandante, brandindo o seu bastão, avançando e apontando para o sítio aonde eles são precisos. Pode-se também introduzir um ribeiro com cavalos a atravessá-lo, chapinhando a água para o ar, e cobrindo toda a terra em volta de água e espuma. Não se deve deixar um só sítio sem sinal de sangue e carnificina. 
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NOTA: Observem como Da Vinci era minucioso. Ele prestava atenção aos mínimos detalhes para só então definir a cena que iria pintar. Agia como um arquiteto projetando sua obra antes de executá-la. 
Nicéas Romeo Zanchett 


                     REPRESENTAÇÃO DE UM ORADOR E DO SEU AUDITÓRIO
                                                     Por Leonardo da Vinci 
              Se tivermos de representar um homem a falar a uma grande assembléia, teremos de considerar o assunto do discurso e adaptar a sua atitude a esse assunto. 
              Se o orador pretende convencer é preciso demonstrá-lo pelo gesto. Se estiver dando uma explicação deduzida de diversos fatos, deverá meter um dedo da mão esquerda entre os dois da direita, e conservar os dois encolhidos, e voltar a cara para o auditório com a boca entreaberta parecendo falar. Se estiver sentado deverá parecer que se vai levantar um pouco, e ter a cabeça inclinada para a frente. 
              Mas se for representado de pé, terá o peito e a cabeça inclinada para a frente para o lado do auditório. Este deverá parecer silencioso, atento, com os olhos fitos no orador em sinal de admiração. Deverá haver alguns velhos com as bocas muito fechadas em sinal de aprovação e os lábios apertados de maneira a fazerem rugas aos cantos da boca e nas bochechas, e na testa ao levantar as sobrancelhas, como que assombrados de espanto. Uns sentados, com as mãos entrelaçadas em volta dos joelhos; outros com uma perna por cima da outra e sobre ela uma mão suportando o cotovelo, e a outra segurando o queixo, coberto de barba venerável. 
                                                  DOS GESTOS DEMONSTRATIVOS 
              A ação pela qual numa figura indica qualquer ponto próximo, quer no sentido de tempo quer na situação, deve ser expressa pela mão ligeiramente afastada do corpo. Mas se esse mesmo ponto estiver muito afastado, a mão deve também estar muito retirada do corpo e a cara da figura voltada para aquela a quem o está a apontar. 
                      SOBRE A ATITUDE DOS CIRCUNDANTES PERANTE ALGUM 
                                               ACONTECIMENTO SENSACIONAL
               Todos aqueles que assistem a um acontecimento digno de menção experimentam a sua admiração, mas de diferentes maneiras como quando a mão da justiça pune um malfeitor.  Se o assunto for um ato de devoção, os olhares de todos os presente estarão fitos na direção do objeto da sua adoração, secundados por vários movimentos de piedade feitos com os outros membros. 
                Se for um caso para rir ou então um caso que inspire compaixão e provoque lágrimas, não será necessário que todos tenham os olhos voltados para o objeto, pois exprimirão os seus sentimentos por diversas maneiras; e será bom apresentar diversas figuras reunidas em grupos afim de se regozijarem ou lamentarem juntas. Se for um acontecimento horrível, os rostos dos que vão fugindo a tal vista exprimirão um grande medo, por meio de vários movimentos, que serão explicados no tratado sobre movimentos.
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NOTA: Esta aula de Da Vinci nos mostra como ele trabalhava para compor uma obra. Era, sem dúvida, um grande observador das atitudes das pessoas e suas maneiras de expressão. Naquele tempo não havia não havia fotografia e Da Vinci costumava desenhar - de forma rápida - todas as pessoas e o cenário que lhe interessava para a futura composição artística; nada escapava ao seu olhar atento e julgador que fizeram dele o grande artista, hoje reconhecido como um dos maiores gênios que a humanidade teve.  Leonardo considerava que o desenho era uma espécie de projeto da obra a ser realizada; hoje, infelizmente, muitos artistas não dão valor ao desenho; alguns nem sequer sabem desenhar. 
Nicéas Romeo Zanchett 





BREVEMENTE CONTINUAÇÃO.....     

   
     



COMO SE DEVE FAZER UMA TRAGÉDIA - Por Aristóteles

                                                                                   
Uma aula com Aristóteles.

                COMO SE DEVE FAZER UMA TRAGÉDIA - Por Aristóteles

                                                 DOS CARACTERES
   Como a constituição das tragedias mais belas não há de ser simples, mas implexa, e há de ser além disso imitadora de coisas que excitem o terror e a compaixão, porque isto é próprio deste gênero de imitação; segue-se, evidentemente, que nem devem introduzir-se homens muito bons e justos, que passem da fortuna para a desgraça, porque isto não é terrível, nem digno de compaixão, mas sim abominável; nem também homens maus, que passem da desgraça para a fortuna, pois que não há coisa menos trágica, porque lhe faltam todos os requisitos que deve ter a tragédia. Porquanto não é conforme os sentidos da humanidade, nem excita compaixão e terror. 
    Finalmente, também um homem muito mau não deve voltar da felicidade para a infelicidade; porque esta composição, bem que fosse conforme os sentimentos da humanidade, não produzia, contudo, compaixão nem terror;  porque a compaixão tem lugar a respeito do que é infeliz sem o merecer; e o terror a respeito do nosso semelhante desgraçado. Pelo que, neste caso, o que acontece nem parece terrível, nem digno de compaixão. 
    Resta pois o homem que está no meio destes extremos.  Este, é aquele que nem se distingue muito pela virtude e justiça, nem também cai em desgraça pela sua malícia própria, mas sim por algum erro, ou defeito. E há de ser alguma personagem das que estão em glória e felicidade, como Édipo, Thiestes e outros homens ilustres de semelhantes famílias. 
     É pois necessário que uma fábula bem constituída seja antes simples, do que composta, como alguns querem, e que a mudança não seja da desgraça para a fortuna, mas, pelo contrário, da fortuna para a desgraça; e finalmente, que não aconteça por maldade, mas por erro ou defeito grande de alguma pessoa, que seja tal qual dissemos; ou quando não, que antes propenda para melhor, do que para pior.
Isto se prova com a experiência; porque antigamente serviam-se os poetas de quaisquer fábulas, que encontravam; mas hoje as mais belas tragédias tomam o seu assunto de um pequeno número de famílias, como são as de Alcmeon, de Édipo, de Orestes, de Meleagro, de Thiestes, de Telefo, e de quaisquer outros que obraram ou padeceram coisas terríveis. 
     A mais bela tragédia, segundo as regras da arte, é aquela que for composta por este modo. Por isso erram os que culpam Eurípedes por observar estas regras nas suas tragédias, e por dar a muitas delas um êxito infeliz, pois que isto é o que deve ser, como já dissemos.
    A prova mais evidente, é que as tragédias deste gênero parecem as mais trágicas de todas, tanto no teatro como nos certames, se forem bem executadas. E o mesmo Eurípedes, posto que não disponha  bem outras coisas, parece, contudo, ser o mais trágico de todos os poetas.
     Segundo gênero de constituição das fábulas (que alguns põem em primeiro lugar), é o que tem uma constituição composta, como a Odisseia, e que se conclui por um modo contrário ao primeiro, tanto a respeito dos homens bons, como dos maus.   
    Julgou-se que esta merecia o primeiro lugar por imperícia dos teatros, porque os poetas se acomodaram a ela, compondo à vontade e sabor dos espectadores. Porém, o prazer que resulta deste gênero  de composição, é muito mais próprio da comédia que da tragédia; porque nela os que são na fábula inimicíssimos, como Orestes e Egistho, se tornaram por fim amigos, e nenhum deles é morto pelo outro.  

                    DE ONDE DEVE NASCER O TERROR E A COMPAIXÃO
      Pode, pois, excitar-se o terror e a compaixão pelo aparato da cena, e também pelo mesmo contexto das coisas,  o que tem o primeiro lugar, e é na verdade de melhor poeta. 
      Porquanto uma fábula deve estar composta de tal maneira, que quem ouvir as coisas que vão acontecendo, ainda que nada veja, só pelos sucessos se horrorize e se compadeça, como experimentará quem ouvir a tragédia de Édipo. 
     Ora, querer conseguir isto pelo espetáculo, é coisa para que não concorre a arte do poeta, e que depende do aparato e do custo da cena. 
    Também se desviam inteiramente da tragédia os que nos oferecem em espetáculo,não coisas terríveis, mas monstruosas; porque não se há de procurar indistintamente na tragédia qualquer gênero de prazer, porém, somente o que é próprio dela. 
     Como pois o poeta deve por meio da imitação preparar-nos aquele prazer, que nasce da compaixão e do terror, segue-se evidentemente, que ele há de se valer para isso das coisas que representa.


BREVEMENTE CONTINUAÇÃO.